sexta-feira, 7 de março de 2014

Moisés

Moisés: Legislador, Taumaturgo, Libertador e Guia do Povo” 
                                   
        Da leitura do Pentateuco, em especial dos Livros Sagrados Êxodo, Números e Deuteronômio sobressaem as particularidades de um personagem singular e fascinante chamado Moisés a quem se refere as Sagradas Escrituras como “um homem muito humilde, o mais humilde dos homens que havia na terra” (Nm 12,3)  a quem o Senhor se refere como digno de toda a confiança: “a quem toda a Minha casa está confiada. Falo-lhe face a face, claramente e não em enigmas, e ele vê a forma do Senhor” (Nm 12,7-8).  O presente trabalho tem o escopo de acentuar as características principais relacionadas à atuação de Moisés, como legislador, taumaturgo, libertador e guia do povo de Israel. 
            Como Deus havia dito, os hebreus ficaram quatrocentos anos como escravos no Egito, do ano 1600 a.C até 1200 a.C.[1]. Nesse período, esqueceram-se de Deus, especialmente do Deus de Abraão, Isaac e Jacó (Israel). O faraó daquela época, temendo a multiplicação crescente do povo hebreu, ordenou às parteiras que matassem todos os meninos, poupando as meninas. Nesse ínterim, na tribo de Levi, nasce um menino que recebe o nome de Moisés[2], criado pela filha do próprio faraó.
            Diante de tanto sofrimento, o povo clama a Deus que os reconheceu como filhos [3]. Moisés, tendo matado um egípcio, teve que fugir para a terra de Madiã, onde mostra-se como um homem animado do desejo de justiça e casa-se com Séfora, que lhe dá um filho, Gersam[4]. Certo dia, enquanto apascentava o rebanho de seu sogro Jetro, Deus lhe apareceu numa sarça ardente e o designa para voltar ao Egito e libertar seu povo[5].
            Segue-se a importante manifestação de Deus a Moisés na qual ele lhe revela “Eu sou aquele que é”[6] e lhe confia uma missão. A tarefa de Moisés foi constituir o povo de Deus em meio às adversidades.
            No Egito, em seu primeiro contato com o Faraó, juntamente com seu irmão Aarão, Moisés falou corajosamente ao monarca: “Assim falou o Senhor, o Deus de Israel: Deixa o meu povo partir, para que me façam uma festa no deserto”[7]  e o Faraó endureceu o coração e não atendeu o pedido. Assim, vários prodígios do Senhor foram levados à efeito por Moisés junto ao Faraó mas o coração do monarca continuou endurido e não os ouviu, como o Senhor havia predito[8].  
            No fim dessa série de pragas, parece que não será mais possível outro encontro entre o Faraó e Moisés, por causa das palavras do faraó: “Sai daqui; cuida de não compareceres mais à minha presença, porque, no dia que tornares a ver a minha face, morrerás”. Moisés respondeu: “Falaste bem: não verei mais a tua face”. Mas inesperadamente, realiza-se um novo encontro entre o faraó e Moisés. De fato, durante a noite na qual morrem os primogênitos do Egito, o Faraó, a despeito de tudo o que dissera antes, convoca Moisés e lhe declara: ”Ide, saí do meio de meu povo... Ide-vos e servi ao Senhor, como dissestes. Tomai também os vossos rebanhos e o vosso gado e levai-os embora, como dissestes, e parti. Abençoai-me também a mim”[9]. Assim, aquele que se encontra sob a maldição por não querer reconhecer a vontade do deus de Israel, termina pedindo que Moisés o abençoe. Moisés tem aqui a mesma função de intercessor que tinha Abraão[10]. O Faraó chega a dizer a Moisés: “Perdoai-me ainda esta vez o meu pecado, e rogai ao Senhor, vosso Deus, que tire de mim esta morte”[11].
            Em seguida, como preparação para a saída da terra do Egito é instituída a Páscoa: “Este dia será para vós um memorial, e o celebrareis como uma festa para o Senhor; nas vossas gerações a festejareis; é um decreto perpétuo.” [12]. Páscoa significa passagem, simbolizando a liberdade que tira o homem da escravidão: a saída do Egito para a Terra Prometida.
            A atuação de Moisés como taumaturgo atinge o ápice por ocasião do  milagre na travessia do mar Vermelho[13]. Deus fez daquela “massa de escravos” “um povo” que caminha unido para uma meta, a Terra Prometida. Sob o mesmo chefe: Moisés.  Caberá ao Senhor fazer “o seu povo” mediante a Aliança do Sinai[14].  Diferentemente da Aliança feita com Abraão, que era um “promessa”, um pacto unilateral, esta Aliança, feita por meio de Moisés[15] é um fato bilateral. A respeito desses acontecimentos vale comentar
“que nós não podemos acrescentar nada ao que a Bíblia nos diz... ... Não nos pode causar surpresa que os relatos egípcios não mencionem esse acontecimento. Não somente os faraós não estavam acostumados a celebrar derrotas, mas também um fato que envolvia somente uma parte de escravos fugitivos seria para eles de menor importância. Esperar a narração deste fato nos anais do Egito seria o mesmo que esperar a descrição da paixão de Cristo nos anais de César. Para César, a paixão não tinha nenhuma importância.” 
            No livro dos Números, estão narrados os preparativos para partida rumo à Terra Prometida e é a Moisés que Senhor confiou a fórmula da bênção para todo o povo: “O Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e te seja benigno! O Senhor mostre para ti a sua face e te conceda a paz!”[16] .
            Moisés, o primeiro dos grandes profetas de Israel, tirou os Judeus do Egito e levou-os para o deserto. No monte Sinai, Deus transmitiu-lhe seus mandamentos, gravados em tábuas de pedra[17]. Para guardá-las, os judeus fizeram uma urna à qual chamaram Arca da Aliança. Após muitos anos vagueando pelo deserto do Sinai, finalmente chegaram à terra prometida de Canaã. Em punição por uma transgressão passada, Moisés teve permissão de vê-la apenas a distância.[18]
            Ao passo que o extrato javista do Pentateuco já insere o nome divino “Javé” na narrativa da criação[19] e faz iniciar a adoração de Deus sob este nome nas primeiras gerações humanas[20], a tradição eloísta em Ex 3 e a tradição do código Sacerdotal em Ex 6,2s associam a revelação do nome apenas com a vocação de Moisés como líder profético do povo israelita. “Essas fontes guardam um conhecimento histórico que veio a ser confirmado em pesquisas históricas e exegéticas mais recentes” (SCHNEIDER, 2012).
            O teor teológico central dessa narrativa de salvamento é que o Senhor cumpriu a promessa que fez a Moisés. Por meio de seu ato poderoso Ele conduziu para fora do Egito aqueles que nele confiaram. O Senhor livra da escravidão e salva na aflição. Disso faz parte a experiência essencial de que o Senhor acompanhava seu povo em seu caminho e o levava a lugares nos quais podia habitar em sua presença manifesta [21].
            Em Israel a experiência do êxodo se associa  tão intensamente com Deus cultuado, que a lembrança dela passa a ser o seu sinal de reconhecimento. Em termos linguísticos isto se mostra em formulações como “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão”[22].
            A memória (hebraico: zikkaron) da saída do Egito na celebração da Páscoa permite a Israel viver em cada dia de hoje na presença daquele Deus que fora experienciado no então. A experiência do êxodo ainda aponta para outro traço fundamental do credo israelita no Senhor: O Senhor pode agir poderosamente na história por ser poderoso na natureza. O milagre do salvamento atesta ao mesmo tempo o Deus ao qual vento e mar obedecem. Também no período da migração do deserto Israel só consegue resistir com o auxílio do Senhor que concede e preserva a vida.
            O livro Deuteronômio é rico em recomendações de Moisés dirigidas ao povo na tentativa de preservá-lo da desobediência contumaz ao Senhor. Perce-se, atrás do caráter legislativo, uma reflexão teológica sobre aquilo que se deveria ter sido feito para corresponder à vontade de Deus, na fidelidade de Moisés. Pela leitura do código deuteronômico descobre-se que o que Moisés desejava era suscitar uma comunidade fraterna “o que explica o uso do termo “irmão”, que se encontra 25 vezes no Deuteronômio” .
            O Êxodo é o ponto central no Antigo Testamento. Dá a primazia à libertação. A libertação do Egito constituía o principal conteúdo das crenças do povo Judeu.
            No século XIII a.C Moisés tornou-se o chefe do povo cativo do Egito. Por essa ocasião, no deserto Deus quis travar aliança com o povo eleito; mandou, pois que Moisés codificasse leis e tradições históricas já existentes em Israel [23]. O mesmo Moisés redigiu outras leis, ampliando o bloco legislativo da sua gente e assim ele ficou para Israel como o legislador por excelência, o seu nome e o conceito de Lei (Torá) ficaram definitivamente associada entre si. Moisés é o inspirador de toda a legislação hebraica antiga: ele criou a tradição jurídica e historiográfica de Israel, deu-lhes seus fundamentos e suas grandes linhas, que os juristas posteriores adaptaram e desenvolveram.
            Dai dizer-se que Moisés é o autor “da substância” do Pentateuco. Esta função era suficiente para que os judeus atribuíssem simplesmente o Pentateuco a Moisés. “Sinais linguísticos e estruturais dividem, claramente, os cinco livros do Pentateuco” ficando evidente a distinção entre o primeiro livro, o Gênesis, e os quatro seguintes, porque aquele descreve as origens de Israel e os demais, a organização do povo, sob a liderança de Moisés. “Constituem, por assim dizer, a “vida de Moisés” a serviço do Senhor e de Israel.
            Diversas passagens demonstram a liderança inequívoca de Moisés  quando chama o povo, expõe diante deles todas as palavras que o Senhor lhe havia ordenado e o povo responde: “Tudo o que o Senhor disse, nós o faremos” [24] e quando designa dirigentes entre o povo e “escolheu em todo Israel homens capazes, e estabeleceu-os como chefes do povo”[25]
            Merece igual destaque a influência de Moisés na criação de regras para investidura dos sacerdotes. A prática do sacerdócio em Israel passou por uma longa evolução. Inicialmente o chefe de um clã exercia funções sacerdotais, como ocorria no tempo dos patriarcas[26]. Moisés inicia uma nova fase e, além de liderar a saída do Egito, atuava como intermediário entre Deus e Aarão, que seria o sacerdote-chefe no culto da religião de Israel. Sabe-se hoje que o grupo do êxodo foi liderado pelos levitas, e que Moisés e Aarão eram levitas.     
            Em seu momento inicial, sob ordem expressa de Javé, Moisés investe Aarão e seus filhos da função sacerdotal.  Além disso dentre as funções sacerdotais [27] está a função de “distinguir entre o sagrado e o profano, entre o puro e o impuro” e a outra função é “ensinar aos filhos de Israel todas as leis que Javé deu a vocês por meio de Moisés”.

            O Povo pede a Moisés, que seja intermediário entre Deus e ele, porque tem medo de morrer, se Deus lhe falar.[28]
            Toda a Bíblia gira em torno da Aliança de Deus com os homens. A Aliança é o ponto central da Bíblia. Ao fazer “Aliança”, Deus sempre usou intermediários, como: Noé, Abrão e agora Moisés. Mas fica claro que a Aliança não era somente com essas pessoas e sim com todo o Povo de Deus.
            Com Moisés, a Aliança ficou gravada numa pedra da Lei, que se chamou Decálogo, os Dez Mandamentos, que seria a prova e o compromisso da Aliança. A saída do Egito é o ponto de destaque na História de Israel. A partir desta Aliança, as pessoa se constituíram um povo, o Povo de Deus. A Aliança do Sinai é a mais importante do Antigo Testamento, eis que ela é diferente das outras alianças já que condicionou todo o povo: Deus é o nosso Deus e nós somos o seu povo, por isso, somos todos irmãos, tendo um único Deus [29].
            Deus, nosso Criador e nosso Redentor, escolheu Israel como seu povo e revelou-lhe a sua Lei, preparando assim a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime muitas verdades naturalmente acessíveis à razão. Essas encontram-se declaradas e autenticadas no interior da Aliança da Salvação[30].
            Os textos legislativos tê valor especial porque apresentados sempre como palavra do Senhor, revelada a Moisés e por ele transmitida ao povo de Israel [31]. No próprio livro do Deuteronômio existe um texto fundamental, verdadeiro divisor de águas a separar os primeiros cinco livros da Bíblia dos subsequentes, a saber:
“E em Israel nunca mais surgiu um profeta como Moisés -- a quem o Senhor conhecia face a face – seja por todos os sinais e prodígios que o Senhor mandou realizar na terra do Egito, contra o Faraó, contra todos os seus servidores e toda a sua terra, seja pela mão forte e por todos os feitos grandiosos e terríveis que Moisés realizou aos olhos de todo Israel!” (cf. Dt 34,10-12).
Conclusão
            Escrever acerca da história de Moisés foi uma tarefa fascinante e, ao mesmo tempo recompensadora, sobretudo por me permitir aprofundar sobre a beleza e o modo como Moisés moldou a civilização judaica e ao longo de sua vida conseguiu afetar de modo duradouro a vida de todo o povo de Israel. Minha conclusão é de que, pelos padrões da época, sua história foi surpreendentemente registrada. A vida e seus ensinamentos encontram nas páginas dos primeiros livros das Sagradas Escritura lugar de destaque.
            De fato, Moisés foi a maior de todas as personalidades da história de Israel no Antigo Testamento.
“Por isso, a “Lei de Moisés” supera todas as outras formas de revelação. A sua Torá é incomparável, insuperável e permanecerá valida para sempre. A revelação que remonta a Moisés é superior a todas as outras revelações dos profetas. Razão porque, no cânon, Moisés precede os “profetas anteriores” e os “profetas posteriores”. Também vem antes dos “escritos” ou livros sapienciais. A autoridade do pentateuco depende, em sua da autoridade superior de Moisés.” 
            Com efeito, temos que a autoridade de Moisés e a sua atividade como legislador, taumaturgo, libertador e guia dos israelitas deriva da superioridade de seu relacionamento com o Senhor. O Senhor e Moisés estavam em “contato direto”, sem intermediários ou “telas” (cf. Ex 33, 11; Nm 12,6-8).
            Enfim, Moisés pôde levar a efeito sua missão só a custo de muita luta e sofrimento, sua vida sempre feita de imolação e sacrifício leva-nos antever no  o êxodo o acontecimento fundamental da história de Israel. Nenhum outro pode ser comparado a Moisés.
[1] Gn 15, 13
[2] Significa “Eu o tirei das águas” (Ex 2,10): etimologia popular do nome de Moisés (hebr. moshê) a partir do verbo masha, “tirar”. Mas a filha do Faraó não falava hebraico. De fato, esse nome é egípcio. É conhecido na forma abreviada, mosés, ou na forma completa, por ex. Thutmosés: “o deus Tot nasceu”.
[3] Ex 2,25
[4] Ex 2,11-22
[5] Ex 3,7-10
[6] Ex 3,14-15
[7] Ex 5,1
[8] Ex 7-11
[9] Ex 12,29-33
[10] Gn 18,17-33
[11] Ex 10,17
[12] Ex 12,14
[13] Ex 14
[14] Ex 19-24
[15] Moisés, intermediário entre o Senhor e o povo, une-os simbolicamente espalhando sobre o altarm que representa o Senhor, e depois sobre o povo, o sangue de uma única vítuma. O pacto é então ratificado pelo sangue, como a Nova Aliança o será pelo sangue de Cristo. (cf. Ex 24-8).
[16] Nm 6,24
[17] Ex 20; Dt 5
[18] Dt 3,25-27; 32,48-52; 34,1-4.
[19] Gn 2,4b-24
[20] Gn 4,26
[21] Ex 19
[22] Ex 20,2; Dt 5,6
[23] Ex 24,3-8; 34,28
[24] Ex 19,7-8; 24,3; 24,7.
[25] Ex 18, 25
[26] Gn 8,20; 15-9-10; 22,1-14)
[27] Lv 10,8-11
[28] Ex 20,18-21
[29] Ex 24,7-8
[30] CEC, 1961
[31] Dt 5, 23-31

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