Moisés: Legislador,
Taumaturgo, Libertador e Guia do Povo”
Da
leitura do Pentateuco, em especial dos Livros Sagrados Êxodo, Números e
Deuteronômio sobressaem as particularidades de um personagem singular e
fascinante chamado Moisés a quem se refere as Sagradas Escrituras como “um
homem muito humilde, o mais humilde dos homens que havia na terra” (Nm 12,3) a quem o Senhor se refere como digno de toda
a confiança: “a quem toda a Minha casa está confiada. Falo-lhe face a face,
claramente e não em enigmas, e ele vê a forma do Senhor” (Nm 12,7-8). O presente trabalho tem o escopo de acentuar
as características principais relacionadas à atuação de Moisés, como
legislador, taumaturgo, libertador e guia do povo de Israel.
Como Deus havia dito, os hebreus
ficaram quatrocentos anos como escravos no Egito, do ano 1600 a.C até 1200 a.C.[1].
Nesse período, esqueceram-se de Deus, especialmente do Deus de Abraão, Isaac e
Jacó (Israel). O faraó daquela época, temendo a multiplicação crescente do povo
hebreu, ordenou às parteiras que matassem todos os meninos, poupando as
meninas. Nesse ínterim, na
tribo de Levi, nasce um menino que recebe o nome de Moisés[2],
criado pela filha do próprio faraó.
Diante de tanto sofrimento, o povo
clama a Deus que os reconheceu como filhos [3].
Moisés, tendo matado um egípcio, teve que fugir para a terra de Madiã, onde
mostra-se como um homem animado do desejo de justiça e casa-se com Séfora, que
lhe dá um filho, Gersam[4].
Certo dia, enquanto apascentava o rebanho de seu sogro Jetro, Deus lhe apareceu
numa sarça ardente e o designa para voltar ao Egito e libertar seu povo[5].
Segue-se a importante manifestação
de Deus a Moisés na qual ele lhe revela “Eu sou aquele que é”[6]
e lhe confia uma missão. A tarefa de Moisés foi constituir o povo de Deus em
meio às adversidades.
No Egito, em seu primeiro contato
com o Faraó, juntamente com seu irmão Aarão, Moisés falou corajosamente ao
monarca: “Assim falou o Senhor, o Deus de Israel: Deixa o meu povo partir, para
que me façam uma festa no deserto”[7]
e o Faraó endureceu o coração e não
atendeu o pedido. Assim, vários prodígios do Senhor foram levados à efeito por
Moisés junto ao Faraó mas o coração do monarca continuou endurido e não os
ouviu, como o Senhor havia predito[8].
No fim dessa série de pragas, parece
que não será mais possível outro encontro entre o Faraó e Moisés, por causa das
palavras do faraó: “Sai daqui; cuida de não compareceres mais à minha presença,
porque, no dia que tornares a ver a minha face, morrerás”. Moisés respondeu: “Falaste
bem: não verei mais a tua face”. Mas inesperadamente, realiza-se um novo encontro
entre o faraó e Moisés. De fato, durante a noite na qual morrem os primogênitos
do Egito, o Faraó, a despeito de tudo o que dissera antes, convoca Moisés e lhe
declara: ”Ide, saí do meio de meu povo... Ide-vos e servi ao Senhor, como
dissestes. Tomai também os vossos rebanhos e o vosso gado e levai-os embora,
como dissestes, e parti. Abençoai-me também a mim”[9].
Assim, aquele que se encontra sob a maldição por não querer reconhecer a
vontade do deus de Israel, termina pedindo que Moisés o abençoe. Moisés tem
aqui a mesma função de intercessor que tinha Abraão[10].
O Faraó chega a dizer a Moisés: “Perdoai-me ainda esta vez o meu pecado, e
rogai ao Senhor, vosso Deus, que tire de mim esta morte”[11].
Em seguida, como preparação para a
saída da terra do Egito é instituída a Páscoa: “Este dia será para vós um memorial,
e o celebrareis como uma festa para o Senhor; nas vossas gerações a
festejareis; é um decreto perpétuo.” [12].
Páscoa significa passagem, simbolizando a liberdade que tira o homem da
escravidão: a saída do Egito para a Terra Prometida.
A atuação de Moisés como taumaturgo
atinge o ápice por ocasião do milagre na
travessia do mar Vermelho[13].
Deus fez daquela “massa de escravos” “um povo” que caminha unido para uma meta,
a Terra Prometida. Sob o mesmo chefe: Moisés.
Caberá ao Senhor fazer “o seu povo” mediante a Aliança do Sinai[14]. Diferentemente da Aliança feita com Abraão,
que era um “promessa”, um pacto unilateral, esta Aliança, feita por meio de
Moisés[15]
é um fato bilateral. A respeito desses acontecimentos vale comentar
“que nós não
podemos acrescentar nada ao que a Bíblia nos diz... ... Não nos pode causar
surpresa que os relatos egípcios não mencionem esse acontecimento. Não somente
os faraós não estavam acostumados a celebrar derrotas, mas também um fato que
envolvia somente uma parte de escravos fugitivos seria para eles de menor
importância. Esperar a narração deste fato nos anais do Egito seria o mesmo que
esperar a descrição da paixão de Cristo nos anais de César. Para César, a
paixão não tinha nenhuma importância.”
No livro dos Números, estão narrados
os preparativos para partida rumo à Terra Prometida e é a Moisés que Senhor
confiou a fórmula da bênção para todo o povo: “O Senhor te abençoe e te guarde!
O Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e te seja benigno! O Senhor
mostre para ti a sua face e te conceda a paz!”[16]
.
Moisés, o primeiro dos grandes
profetas de Israel, tirou os Judeus do Egito e levou-os para o deserto. No
monte Sinai, Deus transmitiu-lhe seus mandamentos, gravados em tábuas de pedra[17].
Para guardá-las, os judeus fizeram uma urna à qual chamaram Arca da Aliança.
Após muitos anos vagueando pelo deserto do Sinai, finalmente chegaram à terra
prometida de Canaã. Em punição por uma transgressão passada, Moisés teve
permissão de vê-la apenas a distância.[18]
Ao passo que o extrato javista do
Pentateuco já insere o nome divino “Javé” na narrativa da criação[19]
e faz iniciar a adoração de Deus sob este nome nas primeiras gerações humanas[20],
a tradição eloísta em Ex 3 e a tradição do código Sacerdotal em Ex 6,2s
associam a revelação do nome apenas com a vocação de Moisés como líder
profético do povo israelita. “Essas fontes guardam um conhecimento histórico
que veio a ser confirmado em pesquisas históricas e exegéticas mais recentes”
(SCHNEIDER, 2012).
O teor teológico central dessa
narrativa de salvamento é que o Senhor cumpriu a promessa que fez a Moisés. Por
meio de seu ato poderoso Ele conduziu para fora do Egito aqueles que nele
confiaram. O Senhor livra da escravidão e salva na aflição. Disso faz parte a
experiência essencial de que o Senhor acompanhava seu povo em seu caminho e o
levava a lugares nos quais podia habitar em sua presença manifesta [21].
Em Israel a experiência do êxodo se
associa tão intensamente com Deus
cultuado, que a lembrança dela passa a ser o seu sinal de reconhecimento. Em
termos linguísticos isto se mostra em formulações como “Eu sou o Senhor, teu
Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão”[22].
A memória (hebraico: zikkaron) da saída do Egito na
celebração da Páscoa permite a Israel viver em cada dia de hoje na presença
daquele Deus que fora experienciado no então. A experiência do êxodo ainda
aponta para outro traço fundamental do credo israelita no Senhor: O Senhor pode
agir poderosamente na história por ser poderoso na natureza. O milagre do
salvamento atesta ao mesmo tempo o Deus ao qual vento e mar obedecem. Também no
período da migração do deserto Israel só consegue resistir com o auxílio do
Senhor que concede e preserva a vida.
O livro Deuteronômio é rico em
recomendações de Moisés dirigidas ao povo na tentativa de preservá-lo da
desobediência contumaz ao Senhor. Perce-se, atrás do caráter legislativo, uma
reflexão teológica sobre aquilo que se deveria ter sido feito para corresponder
à vontade de Deus, na fidelidade de Moisés. Pela leitura do código
deuteronômico descobre-se que o que Moisés desejava era suscitar uma comunidade
fraterna “o que explica o uso do termo “irmão”, que se encontra 25 vezes no
Deuteronômio” .
O Êxodo é o ponto central no Antigo
Testamento. Dá a primazia à libertação. A libertação do Egito constituía o
principal conteúdo das crenças do povo Judeu.
No século XIII a.C Moisés tornou-se
o chefe do povo cativo do Egito. Por essa ocasião, no deserto Deus quis travar
aliança com o povo eleito; mandou, pois que Moisés codificasse leis e tradições
históricas já existentes em Israel [23].
O mesmo Moisés redigiu outras leis, ampliando o bloco legislativo da sua gente
e assim ele ficou para Israel como o legislador por excelência, o seu nome e o
conceito de Lei (Torá) ficaram definitivamente associada entre si. Moisés é o
inspirador de toda a legislação hebraica antiga: ele criou a tradição jurídica
e historiográfica de Israel, deu-lhes seus fundamentos e suas grandes linhas,
que os juristas posteriores adaptaram e desenvolveram.
Dai dizer-se que Moisés é o autor
“da substância” do Pentateuco. Esta função era suficiente para que os judeus
atribuíssem simplesmente o Pentateuco a Moisés. “Sinais
linguísticos e estruturais dividem, claramente, os cinco livros do Pentateuco” ficando evidente a distinção entre o primeiro livro, o Gênesis, e
os quatro seguintes, porque aquele descreve as origens de Israel e os demais, a
organização do povo, sob a liderança de Moisés. “Constituem, por assim dizer, a
“vida de Moisés” a serviço do Senhor e de Israel.
Diversas passagens demonstram a
liderança inequívoca de Moisés quando
chama o povo, expõe diante deles todas as palavras que o Senhor lhe havia
ordenado e o povo responde: “Tudo o que o Senhor disse, nós o faremos” [24]
e quando designa dirigentes entre o povo e “escolheu em todo Israel homens
capazes, e estabeleceu-os como chefes do povo”[25]
Merece igual destaque a influência
de Moisés na criação de regras para investidura dos sacerdotes. A prática do
sacerdócio em Israel passou por uma longa evolução. Inicialmente o chefe de um
clã exercia funções sacerdotais, como ocorria no tempo dos patriarcas[26].
Moisés inicia uma nova fase e, além de liderar a saída do Egito, atuava como
intermediário entre Deus e Aarão, que seria o sacerdote-chefe no culto da
religião de Israel. Sabe-se hoje que o grupo do êxodo foi liderado pelos levitas,
e que Moisés e Aarão eram levitas.
Em seu momento inicial, sob ordem
expressa de Javé, Moisés investe Aarão e seus filhos da função sacerdotal. Além disso dentre as funções sacerdotais [27]
está a função de “distinguir entre o sagrado e o profano, entre o puro e o
impuro” e a outra função é “ensinar aos filhos de Israel todas as leis que Javé
deu a vocês por meio de Moisés”.
O Povo pede a Moisés, que seja
intermediário entre Deus e ele, porque tem medo de morrer, se Deus lhe falar.[28]
Toda a Bíblia gira em torno da Aliança
de Deus com os homens. A Aliança é o ponto central da Bíblia. Ao fazer
“Aliança”, Deus sempre usou intermediários, como: Noé, Abrão e agora Moisés.
Mas fica claro que a Aliança não era somente com essas pessoas e sim com todo o
Povo de Deus.
Com Moisés, a Aliança ficou gravada
numa pedra da Lei, que se chamou Decálogo, os Dez Mandamentos, que seria a
prova e o compromisso da Aliança. A saída do Egito é o ponto de destaque na
História de Israel. A partir desta Aliança, as pessoa se constituíram um povo,
o Povo de Deus. A Aliança do Sinai é a mais importante do Antigo Testamento,
eis que ela é diferente das outras alianças já que condicionou todo o povo:
Deus é o nosso Deus e nós somos o seu povo, por isso, somos todos irmãos, tendo
um único Deus [29].
Deus, nosso Criador e nosso
Redentor, escolheu Israel como seu povo e revelou-lhe a sua Lei, preparando
assim a vinda de Cristo. A Lei de Moisés exprime muitas verdades naturalmente
acessíveis à razão. Essas encontram-se declaradas e autenticadas no interior da
Aliança da Salvação[30].
Os textos legislativos tê valor
especial porque apresentados sempre como palavra do Senhor, revelada a Moisés e
por ele transmitida ao povo de Israel [31].
No próprio livro do Deuteronômio existe um texto fundamental, verdadeiro
divisor de águas a separar os primeiros cinco livros da Bíblia dos
subsequentes, a saber:
“E em Israel
nunca mais surgiu um profeta como Moisés -- a quem o Senhor conhecia face a
face – seja por todos os sinais e prodígios que o Senhor mandou realizar na
terra do Egito, contra o Faraó, contra todos os seus servidores e toda a sua
terra, seja pela mão forte e por todos os feitos grandiosos e terríveis que
Moisés realizou aos olhos de todo Israel!” (cf. Dt 34,10-12).
Conclusão
Escrever acerca da história de
Moisés foi uma tarefa fascinante e, ao mesmo tempo recompensadora, sobretudo
por me permitir aprofundar sobre a beleza e o modo como Moisés moldou a
civilização judaica e ao longo de sua vida conseguiu afetar de modo duradouro a
vida de todo o povo de Israel. Minha conclusão é de que, pelos padrões da
época, sua história foi surpreendentemente registrada. A vida e seus
ensinamentos encontram nas páginas dos primeiros livros das Sagradas Escritura
lugar de destaque.
De fato, Moisés foi a maior de todas
as personalidades da história de Israel no Antigo Testamento.
“Por isso, a
“Lei de Moisés” supera todas as outras formas de revelação. A sua Torá é
incomparável, insuperável e permanecerá valida para sempre. A revelação que
remonta a Moisés é superior a todas as outras revelações dos profetas. Razão
porque, no cânon, Moisés precede os “profetas anteriores” e os “profetas
posteriores”. Também vem antes dos “escritos” ou livros sapienciais. A
autoridade do pentateuco depende, em sua da autoridade superior de Moisés.”
Com efeito, temos que a autoridade
de Moisés e a sua atividade como legislador, taumaturgo, libertador e guia dos
israelitas deriva da superioridade de seu relacionamento com o Senhor. O Senhor
e Moisés estavam em “contato direto”, sem intermediários ou “telas” (cf. Ex 33,
11; Nm 12,6-8).
Enfim, Moisés pôde levar a efeito
sua missão só a custo de muita luta e sofrimento, sua vida sempre feita de
imolação e sacrifício leva-nos antever no o êxodo o acontecimento fundamental da
história de Israel. Nenhum outro pode ser comparado a Moisés.
[1] Gn 15, 13
[2] Significa “Eu o tirei das águas” (Ex 2,10): etimologia popular do nome
de Moisés (hebr. moshê) a partir do
verbo masha, “tirar”. Mas a filha do
Faraó não falava hebraico. De fato, esse nome é egípcio. É conhecido na forma
abreviada, mosés, ou na forma
completa, por ex. Thutmosés: “o deus
Tot nasceu”.
[14] Ex 19-24
[15] Moisés, intermediário entre o Senhor e o povo, une-os
simbolicamente espalhando sobre o altarm que representa o Senhor, e depois
sobre o povo, o sangue de uma única vítuma. O pacto é então ratificado pelo
sangue, como a Nova Aliança o será pelo sangue de Cristo. (cf. Ex 24-8).
[16] Nm 6,24
[17] Ex 20; Dt 5
[19] Gn 2,4b-24
[20] Gn 4,26
[21] Ex 19
[22] Ex 20,2; Dt 5,6
[24] Ex 19,7-8; 24,3; 24,7.
[26] Gn 8,20; 15-9-10; 22,1-14)
[27] Lv 10,8-11
[28] Ex 20,18-21
[29] Ex 24,7-8
[30] CEC, 1961
[31] Dt 5, 23-31
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