quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Cartas Bíblicas (São Tiago)


Epístola de São Tiago



“A carta de Tiago é um dos escritos mais surpreendentes e singulares do Novo Testamento” (TUÑÍ, 2007, p.263). O escopo da epístola foi animar os fiéis a sofrer com paciência as perseguições que lhes faziam os judeus e gentios, e recomendar o exercício das virtudes a pratica das boas obras, que os hereges diziam desnecessárias para a salvação.


Numa comparação com os escritos de São Paulo, podemos afirmar que o público destinatário era diferente. Em São Paulo temos que se dirigia a judeu-cristãos que viam na sua vocação ao cristianismo, não um benefício gratuito de Deus, mas um prêmio devido a seu título de filhos de Abraão. Assim, São Paulo mostra-lhes que, para eles como para os cristãos vindos da gentilidade, a vocação à fé é um dom, inteiramente gratuito, e que sua conduta anterior não lhes dava nenhum direito a este, nem a obediência dos ritos legais poderia justifica-los diante de Deus, porém só Jesus Cristo, mediante a fé e a aceitação teórica e prática de seu Evangelho. Já São Tiago dirige-se a leitores que já tem fé, e lhes diz que, justificados já pela fé, não podem conservar ou desenvolver em si a justificação que receberam, senão acompanhando a sua fé com a prática das obras prescritas pela Lei de Deus.

O apóstolo Tiago escreve ao modo oriental, por sentenças, que muitas vezes não tem entre si uma exata ligação, como são os Provérbios de Salomão e de Jesus, filho de Sirac.O grego utilizado por Tiago é o grego da Koiné, “mesmo que contenha alguns semitismos, é excelente, superado somente pela Cartas aos Hebreus no Novo Testamento (TUÑÍ, 2007, p. 265). Não se pode precisar o tempo em que foi escrita, porém ela não é anterior ao ano de 51, no qual terminou a primeira excursão apostólica de São Paulo, pois só depois disso é crível houvesse fora da Palestina tantos judeus convertidos, como o endereço da epístola supõe; e não é também posterior ao ano 64, porque foi nesse ano que São Tiago, acusado pelos fariseus de haver transgredido a lei, morreu apedrejado.

O autor, sem nenhuma dúvida, é cristão: se Jesus é pouco citado, o eco do seu ensinamento se faz ouvir, às vezes, “em formas literárias muito parecidas com as dos Evangelhos” (CARREZ, 2008, p. 289). Mas não se consegue identificar o autor da carta com algum dos Tiagos conhecidos no Novo Testamento. Mas isso não exclui a possibilidade de atribuição a Tiago, irmão do Senhor, e chefe da Igreja de Jerusalém, o qual gozava de prestígio bastante grande para poder dirigir-se a todos os cristãos de origem judaica. A identificação precisa do autor desta epístola não tem muita importância, “ela foi aceita pelas Igrejas como Escritura, e isto é o essencial” (CARREZ, 2008, p. 293)

Podemos separar a epístola em três grupos de objetivos distintos, a saber:

A.   Instrução (Tg 1): Começa por instruir sobre a utilidade das provações, a origem do bem e do mal, e fecundidade da palavra de Deus.

B.   Repreensão (Tg 2-5,7): Repreende seus leitores pelos abusos e erros que reinavam entre eles por causa da sua parcialidade e acepção de pessoas, relativamente à falsa doutrina que se espalhava acerca da justificação e pela corrupção dos costumes e rivalidade para subir às posições.

C.   Consolação (Tg 5,7 ss): Consola os que eram alvo de perseguição, exorta-os à paciência e lhes dá várias regras de conduta para as diversas situações da vida.

A epístola de São Tiago está estruturada da seguinte forma:

A.   Inicio: convida seus leitores a sofrer com alegria as tribulações que lhes sobrevierem (Tg 1, 1-4), o que poderão fazer, se as acolherem com verdadeira sabedoria, contentando-se com a sorte que Deus lhe der (Tg 1, 5-11) e reconhecendo a Deus como quem dá tudo o que é bom (Tg 1,12-18).

B.   Primeira parte: versa sobre a necessidade de dar a vida à fé com as obras de caridade (Tg 1,19 -2,26):
·   Requer a fé, mas uma fé em ação pela caridade; e começa por advertir que a audição da palavra não basta, mas que se deve observar o que é ouvido (Tg 1,19-25), e
·     Faz admoestações acerca de certos preceitos como o de refrear a língua, exercer a caridade com os órfãos e tratar igualmente com atenção a todos na Igreja (Tg 1,16 - 2,13).
·   Depois, prosseguindo sobre o tema da inutilidade da fé sem as obras, elucida-o com certa comparação da fé dos demônios (Tg 2,15-19) e com os exemplos de Abraão e de Raab (Tg 2,20-26).

C.   Segunda parte: versa acerca das qualidades para o magistério cristão e do perigo do mal de o pretender e assumir sem a precisa competência e o devido espírito. (Tg 3,1 – 4,12):
·    Procura dissuadir da pretensão de ensinar os que o queiram fazer sem a capacidade e missão precisas, e argumenta com os perigos que há nisso, pela intemperança e desenfreamento da língua (Tg 3,1-12), pela falta de ciência e de requisitos outros para eficácia do ensino (Tg  3,,13-18), resultando da usurpação ou uso indébito de tais funções contendas e pecados (Tg 4,1-12).

D. Terceira parte: consta de exortações apropriadas a várias circunstâncias da vida. (Tg 4,13-5,19):
·    Contem várias admoestações especiais: adverte aos ricos que se não ufanem de sua condição (Tg 4,13-17) nem oprimam os pobres (Tg 5, 1-11); todos em geral determina que se abstenham do costume de jurar (Tg 5,12); instrui os enfermos sobre o que lhes convém fazer, para o seu bem temporal e espiritual (Tg 5,13-15); e inculca a todos a pratica e o fervor da oração (Tg 5,16-18).

E.   Epílogo (Tg 5,10-20) apregoa bem aventurado aquele que reconduz ao caminho da verdade o que dali se extraviou.

     A epístola encerra importantes ensinamentos morais, ligados a um cristianismo de combate espiritual, de esforço e de ação,  tais como:

A.   Defeitos a evitar:
·         Não atribuir a Deus os males do mundo
·         Formalismo exterior farisaico
·         Luxo imoderado e o excesso de atenção com os ricos
·         Intemperança da língua
·         Espírito de partido
·         Maledicência e a calúnia
·         Orgulho e jactância

B.   Virtudes a praticar:
·         A paciência das provações
·         A confiança em Deus
·         A humildade
·         O bom uso das tentações
·         O zelo pela conversão dos pecadores

Com efeito, temos que a principal preocupação de Tiago é com a perseverança na conversão a Deus e o progresso na vivência da moralidade evangélica. Ele vê o íntimo relacionamento entre a fé em Deus e o amor do próximo, pois ambos são característicos da fé da aliança. A integridade da vida edificante é mantida; não podemos escolher que leis da aliança vamos cumprir. São Tiago não se cansa de chamar a atenção para as raízes da desordem em nossas vidas e de nos exortar a controlá-las.

O sendo de Igreja de Tiago domina constantemente sua obra para nos lembrar que a religião não é um negócio particular entre Deus e nós, mas um relacionamento de aliança entre Deus e seu povo da aliança: por isso o amor do próximo e também a perspectiva do julgamento são temas constantes.

Não podemos deixar de nos impressionar com o senso pastoral que Tiago tem da integridade da vida cristã, da plenitude na qual o Evangelho deve crescer nos fiéis e da relação ativa entre a religião e a vida. “As igrejas de Tiago não admitiam cristãos de meio expediente!” (BERGANT, 2013, P. 322).

Referências
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2002.
BERGANT, Dianne. Comentário Bíblico:Volume 3. Dianne Bergant, Robert J. Karris (organizadores). 7 ed. São Paulo: Loyola,2013.
CARREZ, Maurice. As Cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. 3.ed. São Paulo: Paulus, 2008.
TUÑÍ, Josep-Oriol. Escritos Joaninos e Cartas Católicas.  Josep-Oriol Tuñí, Xavier Alegre. 2ed. São Paulo: Ave Maria, 2007