sexta-feira, 27 de junho de 2014

Uma visita à prima filosofia



 A PRIMA FILOSOFIA

Hoje vamos divagar sobre o caráter duplo da existência do filósofo na qual partilha com outros seres humanos as alegrias, as tristezas e os trabalhos da vida comum, ao mesmo tempo em que se verifica nele, uma vida cujas peripécias são conhecidas somente por ele e cuja continuidade profunda é necessariamente traída por seus escritos. Desta maneira, podemos sentenciar: “Isso acontece com todos aqueles que filosofam”.
Se o sentimento de solidão é uma presença constante no espírito do filósofo, maior é este sentimento no interior do filósofo cristão, sobretudo nestes tempos de profunda descristianização quando é terrível e esgotante não “fazer como todo mundo” faz. Pois não é agradável a ninguém sentir-se diferente, sobretudo num assunto em que o próprio sentido da vida humana é posto à prova.
Fica então o alerta de que se alguém confessa sua intenção de filosofar de um ponto de vista cristão será excluído da comunidade dos filósofos e simplesmente não será ouvido. Pois, para a maioria, o chamado “bom senso”, o certo é filosofar como filósofos e, simplesmente abandonar a alcunha de cristão.
Ninguém nasce cristão, mas aquele que nasce numa família cristã não demora em também se tornar cristão. A religião inteira lhe é dada de uma só vez no sacramento do Batismo e se a criança ainda não a conhece senão imperfeitamente ela pode vive-la perfeitamente. “A criança pode não ser um doutor da Igreja, mas pode ser um santo”.
A dificuldade do cristão de se tornar “um filósofo como os outros” é decorrente de sua educação na teologia do catecismo, explicitada nos “artigos da fé”, presentes no Símbolo dos Apóstolos, e que, na ordem do conhecimento para a salvação do cristão, precedem a filosofia, que nada poderá acrescentar ou retirar.  Desta forma, seria até compreensível que a atitude de excluir educadamente os filósofos cristãos de seu ambiente fosse somente uma iniciativa dos chamados filósofos sem vínculos com a religião. Contudo, essa atitude é menos compreensível quando vem dos próprios cristãos, como se pode observar em teses e pensamentos por eles elaborados.
Desta forma, muito antes de abordar o estudo da filosofia propriamente dita, o cristão é impregnado de noções metafísicas definidas. O jovem cristão não sabe que é um aprendiz de teólogo, lhe sendo acrescidos a formação religiosa, a educação da espiritualidade e a vida sacramental, que fazem de noções abstratas em si mesmas realidades vivas, pessoalmente conhecidas e intimamente amadas. Assim, pode-se compreender a dificuldade que a filosofia encontra em razão de se deparar com o lugar já tomado e solidamente ocupado quando se pretende introduzi-la em tal espírito. “O jovem não sabe praticamente nada, mas crê em muitas coisas”.
Muitas vezes entendemos o sentido dos ditos filosóficos, mas não conseguimos perceber qual a mensagem que os filósofos pretendem transmitir. Muitas vezes sofremos de uma doença metafísica incurável que é o “coisismo” [1], o que nos leva a perseguir com tenacidade a filosofia.


[1] “Coisismo” = ser incapaz de compreender que se pode falar de um objeto qualquer que não seja coisa ou que não seja concebido em relação a alguma coisa. Ele não nega que se pode falar de outro modo que não seja falar de alguma coisa; porém, para ele isso é precisamente não falar de nada.

Boa Leitura! Até a próxima

terça-feira, 10 de junho de 2014

Paixão e Ressurreição de Jesus em Lucas

                                                                          Parte II

            Nem o tempo de Jesus nem o da Igreja aparecem como realidade última. Embora Lucas insista no fato de que, através de Jesus, realizaram-se as promessas de Deus feitas no passado através dos profetas, ele não vê no tempo da Igreja o fim da história.

          Em um sentido é o reino de Deus presente na história que representa a salvação hoje e no outro sentido a parusia que é o reino de Deus em sua plenitude com a salvação escatológica na morada eterna.

          O fim do caminho de Jesus é difícil e trágico, pois ele vai ser incluído “entre os fora da lei”, isto é, como criminoso social. O caminho exige, pois, resistência e luta. Na primeira missão nada faltou. O primeiro anúncio é alegre e compensador. Mas as consequências são duras: perseguição, traição, prisão, tortura, morte. É hora da luta: A espada é simbólica: lembra a resistência e a ousadia de não voltar atrás. Não se trata da violência que abafa ou destrói a vida, mas daquela que força o caminho para que a própria vida se manifeste. É a atitude daqueles que estão convencidos de que vale a pena lutar para que todos conquistem a liberdade e a vida. É preciso cumprir a vontade de Deus, mesmo ao custo da própria vida com morte de cruz.

      Em meio à Páscoa-Eucarística, surge a questão: Quem é o maior? Sinal que os apóstolos não entenderam nada. Não perceberam que a justiça produz igualdade, e esta se manifesta como partilha e fraternidade. Pelo contrário, desejam o poder! Em resposta, Jesus contrapõe o costume das nações. O maior será como aquele que serve. Dessa forma, Jesus inverte completamente o esquema do poder. Não se trata mais de agir com o pano de fundo da desigualdade, mas com o da igualdade. Em vista da igualdade, o poder de dominação cede o seu lugar ao poder do amor, que não se impõe pela violência nem produz dominação. E Jesus é o modelo. Ele é o maior, mas está entre todos como aquele que serve. Quando soubermos respeitar aquele último que serve então certamente saberemos respeitar a todos. E mais: é aquele que serve que se sentará como juiz para julgar o povo de Deus!

           Em Lucas 22,32, onde aparece o conteúdo da oração de Jesus, é por Pedro que Jesus promete rezar, porque esse apóstolo terá um papel particular a desempenhar na Igreja. Pedro recebe a missão de confirmar a fé de seus irmãos. Por isso, é importante que sua fé não despareça. Seu serviço terá mais chance de exercer-se na humildade e no amor a seus irmãos. O mais importante é que Ele tinha a atitude de um servo com aqueles a quem Ele mirava (Lc 22,25-27). A vida e a morte de Jesus são uma lição de serviço que os discípulos de ontem e de hoje devem assimilar. O serviço está intimamente relacionado com a celebração da Eucaristia. A Eucaristia é a celebração do radical serviço de Jesus, dando a sua vida.

           Esta narração apresenta pormenores exclusivos de Lucas. Primeiro, o costume de Jesus passar noites rezando no Monte das Oliveiras. “Os discípulos seguiram a Jesus”. 

             Jesus está plenamente consciente da gravidade da situação. Sabe da traição, e sabe que chegou o momento fatal. Por isso recomenda aos discípulos: “Rezem para não caírem na tentação”. Essa frase de Jesus podia inspirar a insistência de Lucas sobre a constância que deve caracterizar a oração do discípulo de Cristo. Como Jesus, o cristão também deve rezar para não sucumbir.

          A palavra tentação aparece duas vezes. A oração que Jesus dirige ao Pai mostra que é a grande tentação: deixar tudo para salvar a própria pele. Em outras palavras, trair o projeto de Deus, negar tudo o que fora dito e feito até o momento, e salvar a própria vida. Mas Jesus vence a tentação: “Não se faça a minha vontade, mas a tua”.  Jesus será fiel até o fim.

          E os discípulos dormem. Estão completamente inconscientes do que está para acontecer. E então descobrirmos o sentido da oração: manter-se consciente e de prontidão, para não ser pego de surpresa e nem cometer a insensatez de sair correndo.


            É o momento mais difícil na vida dos discípulos. Um dos Doze trai Jesus. Os outros não entendem o que está acontecendo. A tentativa de acompanhar Jesus a certa distancia também se frustra. Pedro nega conhecer Jesus. Os outros já se haviam sumido. A crença na ressurreição também é difícil. Mas ela acaba envolvendo a todos.

Boa Leitura. Até Breve!!!

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Paixão e Ressurreição de Jesus na visão de São Lucas

                                                                         Parte I -  A Páscoa


          A palavra “Páscoa” é empregada no sentido da tradição judaica como um momento que deve ser celebrado, uma ação de graças a Deus.

        Todo judeu aprende desde cedo que a história é o lugar privilegiado para conhecimento e a celebração de Deus. A festa da Páscoa é grande dia de sacrifício. Os primogênitos de Israel não são apenas resgatados pela substituição do animal (cordeiro): são também poupados da morte infligida aos primogênitos do Egito pelo anjo exterminador. A festa para os judeus é um reviver do Êxodo.

         É o sacrifício da Pascoa, em honra do Senhor, que ferindo os egípcios, passou por cima das casas dos israelitas no Egito e preservou nossas casas (Ex 12, 26-27). O Cordeiro sacrifical morreu como expiação, em lugar do primogênito da casa. A Páscoa, então, representava um ato de redenção, um “resgate”.

        É importante para o leitor entender a diferença eis que o próprio Jesus é quem transfigura o sentido da Páscoa antiga e insere todo ser humano no mistério da sua vida, morte e ressurreição. É Ele que nos ensina a falar com Deus, partindo do chão da vida.

      A imagem bíblica do servo sofredor que era atribuída a Israel, vai ser focada em Jesus, estabelecendo assim uma relação entre o Messias e o servo sofredor. Contudo, para que não haja uma discrepância entre estas duas imagens, os discípulos de Jesus vão costurar as diversas tradições, mostrando que o servo e o Messias são a mesma pessoa. Este vive a plena obediência ao Pai e realiza sua obra oferecendo sua vida, pela plenitude do Reino.


        Ao chamar os discípulos, Jesus lhes dá uma missão muito precisa e faz com que os discípulos participem igualmente de sua missão. Ao mesmo tempo, os vincula a si como amigo e como irmão.

       O evangelho de Lucas é complexo, porque ele superpõe a celebração judaica da Páscoa ( Lc 22, 14-18) e a celebração cristã da Eucaristia (Lc 22, 19-23). Ele quer mostrar que a Eucaristia cristã substituiu a Páscoa judaica, assumindo o significado que esta possuía e levando esse significado ao máximo. Dessa forma, a Páscoa assume um significado universal, e a libertação que ela registra é uma libertação total e para todos.

     O cordeiro pascal é substituído na Eucaristia pelo pão, e o sangue-vinho do cordeiro é substituído pelo vinho-sangue de Jesus.  O supremo dom do amor de Deus em Jesus, que entrega o seu próprio corpo e derrama o seu próprio sangue.

       A Eucaristia celebrada em memória de Jesus é a lembrança contínua e ao mesmo tempo a presença do gesto que sela a fidelidade de Jesus e daqueles que o seguem.

        O traidor também está participando dessa celebração. Quem é ele? Jesus sabe, mas não conta. E a ansiedade toma conta de todos os que até hoje participam da Eucaristia. Serei eu? Será você? Quem vai trair Jesus e o seu projeto?

          
         Até Breve!