terça-feira, 25 de março de 2014

A Parábola da Teologia Fundamental

Parte II


            No presente trabalho vamos explorar um pouco o conceito da fé como conhecimento e saber, bem como a importância das idéias apologéticas, em especial de Blaise Pascal, na fundamentação de toda a esperança do homem no mistério do amor de Deus que se revela na morte do crucificado.
            A revelação não é apenas o eixo em torno do qual gira a teologia.
            Embora esteja no centro da reflexão teológica; é principalmente o seu fundamento, o seu princípio constitutivo. A partir desse princípio, a teologia desempenha uma tarefa de ser uma compreensão crítica da revelação e sua credibilidade, passando de uma teologia dogmática para uma teologia da revelação.
            Compete ainda à teologia fundamental, além de identificar as formas, conteúdos e metodologias da teologia, mostrar que existe uma forma de conhecimento que se exprime pela fé.
            A teologia descobriu a centralidade da revelação e deverá tomar impulso a partir desse evento para explicitar a relação que a liga a ele.
A partir dessa ótica, impende-nos explorar um pouco o conceito da fé como conhecimento e saber. A fé não é um sacrifício da inteligência, mas uma forma de conhecimento peculiar. Nesse contexto, o crer engloba duas dimensões: gnosiológica e comportamental.
            No Antigo Testamento, crer no Senhor equivalia a conhecer o Senhor e entregar-se. Confiar e obedecer àquele que se conhece, mesmo contra toda evidência. É o caso de Abraão que acredita que Sara conceberá apesar da idade avançada de ambos. No Novo Testamento não é diferente. Crer é conhecer Jesus e tornar-se seu seguidor, conformar a vida ao Evangelho, que leva à salvação.
A fé como conhecer e saber implica em dois temas: a relação com a verdade e a relação com a liberdade. No mundo cristão, a verdade é a revelação de Deus em um evento histórico, que mostra que Ele dirige o mundo e leva os homens em uma direção escatológica de um encontro definitivo. Inserir a verdade no tempo-história implica relacioná-la ao movimento passado-presente-futuro. Esse movimento comporta, também, uma dialética de manifestação-ocultação, até o momento escatológico.
Essa revelação tem como primeira expressão, no passado, o ato da criação, que atesta a grandiosidade e o amor de Deus e confirma a possibilidade de conhecimento. Estende-se entre a promessa e a realização. A verdade do presente, para os crentes, é o evento da Encarnação, que imprime a toda história a síntese da revelação possível de Deus. Essa verdade está ligada também ao futuro, na medida em que implica a total realização do Reino anunciado por Cristo e, com isso, o pleno conhecimento de Deus.
            A liberdade intervém plenamente no ato de crer e se exprime como a forma de decisão pessoal de quem se relacionou com a verdade da revelação. Quando se estabelece a conexão entre a verdade revelada e a liberdade do crente, emerge uma dimensão prática e ética de nosso viver, que leva à descoberta de uma dependência pessoal como a forma da própria realização.
            Como a revelação se dá na dialética de desvelamento e escondimento, exige que a escolha, mediante a qual ela é aceita e à qual a pessoa se entrega seja fruto de uma fé. É um conhecer que acarreta a escolha de uma obediência pessoal e confia o sentido da própria existência.
            Ao mesmo tempo em que evidencia a característica da teologia fundamental de tentar responder ao anseio que todo homem tem em saber qual é o sentido da existência, o autor salienta que a resposta é que o sentido da vida é o Evangelho de Jesus Cristo, que foi crido como palavra de salvação. Mas como levar essa mensagem a todos?
            Para tornar o Evangelho crível e aceitável ao homem contemporâneo, deve-se apresentar a vida de Jesus, que exprime seu amor pleno e total, que livremente o levou a se encarnar e entregar sua vida na cruz. Esse amor é sinal do amor de Deus e a forma que temos de conhecê-lo. Não é possível conhecer Deus, senão pelo caminho que ele mesmo construiu para ser conhecido. Uma vez percebido pelo homem, tal amor não pode ser colocado de lado, pois isso o levaria à insegurança e angústia profunda. “Na medida em que a reflexão teológico-fundamental estiver em condições de se expressar em uma nova linguagem, capaz de comunicar e de chamar a atenção da pessoa para o verdadeiro sentido da existência, ela terá alcançado o objetivo de sua razão de ser como reflexão sobre a fé que é capaz de interrogar-se e, ao mesmo tempo, incitar à reflexão” (p. 105).
            Nessa perspectiva, há alguns exemplos de apologias capazes de transmitir essa mensagem. No particular, merecem destaque as idéias concebidas por Blaise Pascal, que foi capaz de compreender o mistério de Deus e, em seu bojo, o mistério do homem, a saber:
“É a nossa religião que ensina aos homens estas duas verdades: que existe um Deus, para o qual os homens são aptos, e que existe na natureza uma corrupção que os torna indignos de si mesmos. Para os homens é igualmente importante conhecer um e outro destes dois pontos; e é igualmente prejudicial aos homens tanto conhecer a Deus sem conhecer a própria miséria como conhecer a própria miséria sem conhecer o redentor que poderá curá-los” (p. 106).
            Essa dialética miséria do homem/misericórdia de Deus aparece de várias formas em sua obra. Entretanto, ele afirma que, não obstante a sua miséria, o homem é grande e aquilo que o faz assim é sua capacidade de pensar. “O homem ultrapassa infinitamente o homem”. Pascal não era teólogo, era matemático, mas numa época marcada pela explosão do racionalismo, emergiu como ponto de contraste. Sua autocompreensão está ligada à descoberta de um Deus pessoal e o amor que ele experimenta nessa descoberta marcará o resto de sua vida, numa vivência do Evangelho de forma radical e simples. Via a relação com o cristianismo não como um conjunto de doutrinas, mas principalmente como um encontro com uma Pessoa.
            Para ele, o desejo mais profundo que o homem quer realizar é a busca da felicidade. Tudo que se faz não passa de espasmódica busca de felicidade. No entanto, sem a fé jamais alguém conseguiu chegar ao ponto para o qual todos tendem. Jesus Cristo é a verdadeira solução do enigma da condição humana. Nele todas as contradições são resolvidas e aquilo que era infelicidade, em Cristo é assumido para ser definitivamente superado.
            Deus, na sua visão, é o Deus escondido que passa pela cruz e pela morte para exprimir seu amor. O Deus escondido é aquele que está mais perto do homem e inquieta o coração (cor inquietum), colocando a condição de dever procurá-lo cada vez mais e levando a reconhecer o amor como o critério apto a explicar o grande mistério. Ele não tenta indicar o caminho a seguir, mas sim convencer da necessidade da procura.
            Desta forma, depreende-se que a busca do sentido da vida tornou-se dramática nos dias atuais. Mas nem por isso é capaz de, por si só, justificar as contradições que se observam na vida de cada indivíduo que, embora consciente de seu próprio valor, parece querer continuar na estrada da mediocridade, por se sentir incapaz de realizar uma escolha radical de vida. O homem é enganado por novos modelos de amor, que brotam apenas de um profundo egoísmo e não satisfaz.
            Diante do exposto, podemos dizer que considerar a fé cristã como um conhecer e um saber consiste em pensar a revelação como fundamento do próprio ato com o qual se crê. Consiste também em aderir à verdade revelada com a própria existência, colocando neste ato a inteligência (razão) e a vontade (liberdade). Além disso, a teologia fundamental possui a resposta ao grande anseio da humanidade, que é encontrar o sentido da vida e a felicidade. Na medida em que estiver em condições de expressar uma nova linguagem, capaz de chamar a atenção para essa verdade e comunicá-la, terá alcançado seu objetivo.
            
REFERÊNCIA:

FISICHELLA, RINO. Introdução à Teologia Fundamental, 2. ed. São Paulo: Loyola, 2006.

Até Breve com a parte Final. Boa leitura.

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