quarta-feira, 16 de abril de 2014

Síntese: "A Interpretação da Bíblia na Igreja"

Síntese do Livro da Pontifícia Comissão Bíblica
“A INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA NA IGREJA”

                O problema da interpretação da Bíblia não é uma invenção moderna como algumas vezes se quer fazer crer. 

         Métodos científicos foram aperfeiçoados no estudo dos textos da antiguidade tendo como contraponto a prudência pastoral da Igreja, pois muitas vezes os métodos, apesar de seus elementos positivos, defendem opções opostas à fé cristã. 

                 A evolução através do tempo — ou diacronia — sob a ótica do método histórico-crítico está em concorrência com métodos que insistem na compreensão sincrônica dos textos. Essa confusão traz novos argumentos aos adversários da exegese científica. Com efeito, este documento fará: 

                a) uma breve descrição dos diversos métodos e abordagens, indicando suas possibilidades e seus limites; 
                b) examinará algumas questões de hermenêutica; e 
             c) proporá uma reflexão sobre as dimensões características da interpretação católica da Bíblia e sobre suas relações com as outras disciplinas teológicas.

Os  seis Métodos de Abordagens para a Interpretação

A) Histórico-crítico: é indispensável eis que está baseado em critérios científicos. Permite perceber o conteúdo da Revelação examinando em profundidade o texto; a linguística; a semântica; a literatura, os gêneros; e as tradições. 

B) Análise literária: considera estudos linguísticos e literários nos campos da retórica, da análise narrativa e da semiótica (princípios de imanência, de estrutura do sentido e da gramática do texto). Observam-se os níveis narrativo, discursivo e lógico-semântico. 

C)Tradição: Inclui questões canônicas; as tradições judaicas de interpretação; e a história dos efeitos do texto. 

D)Ciências humanas: Considera questões sociológicas, antropológicas, psicológicas e psicanalíticas.

E)Contexto: leva em consideração a questões de libertação e feministas; e 

F)Fundamentalismo: a Bíblia, Palavra de Deus inspirada e isenta de erro, deve ser interpretada literalmente em todos os seus detalhes.

Outras Questões (Hermenêutica, Interpretação Católica e a Bíblia na vida da Igreja)

            A atividade da exegese é chamada a ser repensada levando-se em consideração a hermenêutica filosófica contemporânea, que colocou em evidência a implicação da subjetividade no conhecimento, especialmente no conhecimento histórico. Numa perspectiva moderna temos que os métodos de análise literária e histórica são assim necessários à interpretação e o sentido do texto só é pleno se for atualizado na vida de leitores que se apropriam dele.
          
           A hermenêutica encontra fundamentação na história de interpretação bíblica, sendo uma reação sadia ao positivismo histórico e à tentação de aplicar aos estudos pertinentes os critérios de objetividade utilizados nas ciências naturais. Ela estabelece três sentidos para a análise do texto bíblico, a saber: Literal: sentido preciso dos textos tais como foram produzidos por seus autores; Espiritual: expresso pelos textos bíblicos com a assistência do Espírito Santo no contexto do mistério pascal do Cristo e da vida nova que resulta dele; e Pleno: sentido mais profundo, desejado por Deus, mas não claramente expresso pelo autor humano.

           A exegese utiliza métodos e abordagens científicos que permitem apreender o sentido dos textos nos mais diversos contextos e ajuda no progresso da pesquisa. A relação entre as Escrituras e os acontecimentos é de iluminação recíproca e de progresso dialético -- as Escrituras revelam o sentido dos acontecimentos e os acontecimentos revelam o sentido das Escrituras. Desta forma, o exegeta deve adquirir o conhecimento dos procedimentos antigos para poder interpretar corretamente o uso que é feito deles.
A Igreja discerniu os escritos que deveriam formar o cânon bíblico após um longo processo que contou com a assistência do Espírito Santo. Os Padres da Igreja foram igualmente importantes no processo de sua formação.

          A tarefa dos exegetas católicos comporta vários aspectos. É uma tarefa de Igreja, pois ela consiste em estudar e explicar a Escritura de maneira a colocar todas as riquezas à disposição dos pastores e dos fiéis. Cada livro da Bíblia foi escrito com uma finalidade distinta e com um significado específico, porta um sentido ulterior quando se torna uma parte do conjunto canônico. A tarefa exegética é em muito vasta, impõe uma divisão de trabalho, especialmente para a pesquisa, que requer especialistas em diferentes domínios.

          A exegese tem como tarefa discernir com precisão o sentido dos textos bíblicos no próprio contexto deles. Mas interpretação da Bíblia não deve ser entendida como monopólio, pois essa interpretação na Igreja apresenta aspectos que vão além da análise científica dos textos. A Igreja acolhe a Bíblia como Palavra de Deus.

         Na própria Bíblia pode-se constatar a prática da atualização: textos mais antigos foram relidos à luz de circunstâncias novas e aplicados à situação presente do Povo de Deus.

        A atualização é possível e a mensagem bíblica pode ao mesmo tempo tornar relativos e fecundar os sistemas de valores e as normas de comportamento de cada geração. Ela também é necessária e deve constantemente levar em consideração as relações complexas entre o NT e o AT, pelo fato de que o Novo se apresenta ao mesmo tempo como realização e ultrapassagem do Antigo A atualização realiza-se graças ao dinamismo da tradição viva da comunidade de fé e não significa assim a manipulação dos textos.
A atualização hoje deve levar em conta a evolução das mentalidades e o progresso dos métodos de interpretação, eis que pressupõe uma exegese correta do texto e que determina o sentido literal dele. Para bem conduzir a atualização, a interpretação da Escritura pela Escritura é o método mais seguro e o mais fecundo. A atualização de um texto bíblico na existência cristã não pode ser feito corretamente sem se colocar em relação com o mistério do Cristo e da Igreja.

         Inspirada nas filosofias hermenêuticas, a operação hermenêutica vem em seguida e comporta três etapas: 
1) escutar a Palavra a partir da situação presente; 
2) discernir os aspectos da situação presente que o texto bíblico ilumina ou coloca em questão; e 
3) tirar da plenitude de sentido do texto bíblico os elementos suscetíveis de fazer evoluir a situação presente de uma maneira fecunda, conforme a vontade salvífica de Deus no Cristo.

         Para permanecer na verdade salvífica expressa na Bíblia, a atualização deve respeitar certos limites. Os desvios somente serão evitados se a atualização partir de uma correta interpretação do texto e for feita no decorrer da Tradição viva, sob a guia do Magistério eclesial.

         O fundamento teológico da inculturação é a convicção de fé de que a Palavra de Deus transcende a cultura que a expressa e tem a capacidade de se propagar em outras culturas, de maneira a atingir todas as pessoas humanas no contexto cultural onde elas vivem.

        A leitura das Escrituras sempre fez parte integrante da liturgia cristã. Pela liturgia os cristãos entram em contato com as Escrituras, sobretudo na celebração eucarística do domingo. A liturgia sacramental realiza a atualização mais perfeita da Bíblia, pois ela situa a proclamação no meio da comunidade dos fiéis reunida em torno de Cristo a fim de se aproximar de Deus.

       A lectio divina é uma leitura, individual ou comunitária, de uma passagem mais ou menos longa da Escritura acolhida como Palavra de Deus e que se desenvolve sob a moção do Espírito em meditação, oração e contemplação. O frequente uso da Bíblia no ministério pastoral toma diversas formas dependendo do gênero de hermenêutica da qual se servem os pastores e que os fiéis podem compreender. Seja na catequese, na pregação ou no apostolado bíblico.

      No que se relaciona ao ecumenismo temos que a idéia de unidade do povo de Deus, que esse movimento se propõe de restaurar, é profundamente enraizado na Escritura.
Pode-se concluir que a exegese bíblica preenche, na Igreja e no mundo, uma tarefa indispensável e que a natureza mesma dos textos bíblicos exige que para interpretá-los, continue-se o emprego do método histórico-crítico, ao menos em suas operações principais.

Boa Leitura! E até a próxima.

terça-feira, 8 de abril de 2014

A realização da Teologia Liturgica


Pio XII: “Mediator Dei”

            Este trabalho tem como escopo destacar, a seguir, algumas das principais questões defendidas pela encíclica Mediator Dei, publicada pelo Papa Pio XII, em 20 de novembro de 1947, denominada a “carta magna do movimento litúrgico”, sendo a primeira encíclica da história completamente dedicada ao tema litúrgico.

Presença de Cristo na ação litúrgica.
Cristo é a nossa liturgia. Uma liturgia livre de visões incompletas e periféricas eis que centrada no plano eminentemente teológico e cristológico, conferindo à Igreja ser continuadora da obra de Jesus Cristo tanto no aspecto da glorificação do Pai quanto no que se relaciona com a santificação do ser humano.

A liturgia, exercício do sacerdócio de Jesus Cristo.
Com a Sagrada Liturgia a Igreja continua o ofício sacerdotal de Jesus Cristo. Não constitui uma presença meramente psicológica, mas, sobretudo, sacramental. A Igreja atua junto com o seu Fundador razão pela qual temos que o Culto é santo e tem o poder santificante. A liturgia, portanto, é o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo realizado em diversos campos na Igreja – Missa, sacramentos, ofício divino e ano litúrgico.

Liturgia como culto público.
Trata-se de culto público ao Pai prestado por Jesus Cristo, como cabeça da Igreja e unido ao seu corpo místico, a Igreja, de forma completa e que possui a máxima eficácia de santificação.

Culto externo e interno.
O culto a Deus é exterior, pois o ser humano é sensível à dimensão social, e interior, eis que a liturgia exige que esses dois elementos estejam unidos, ao viver em Cristo, consagrar-se completamente a Ele, para que nele, com ele e por ele se dê glória ao Pai.

Na liturgia continua-se a obra de nossa salvação.
Cristo opera nossa salvação cada dia nos sacramentos e em seu sacrifício e, por meio deles, continuamente purifica e consagra a Deus o gênero humano. Os sacramentos não exigem a colaboração dos fiéis para sua plena realização. Mas para ter a divina eficácia, exigem as boas disposições de nossa alma para que se obtenha a salvação eterna.

Harmonia entre liturgia e vida espiritual.
A liturgia tem uma dignidade maior que as orações privadas, considerando o fato de que não pode existir nenhuma oposição ou incompatibilidade entre a ação divina, que infunde a graça nas almas para continuar a nossa redenção, e a operosa colaboração do ser humano que não deve tornar vão o dom de Deus.

A liturgia controlada ou dependente da hierarquia eclesiástica.
A liturgia é confiada aos sacerdotes, em nome da Igreja, e por isso dela depende sua organização e sua forma.


            As questões teológicas abordadas pelo documento do Papa Pio XII serviram de base às reformas e à modificação de numerosas normas e levou a uma gradual mudança de mentalidade, que tornou possível a aplicação das afirmações do Concílio Vaticano II.