sexta-feira, 17 de abril de 2015

Santo Inácio de Antioquia





Trata o presente trabalho de apresentar uma síntese do legado de Santo Inácio de Antioquia, “o teóforo” (aquele que conduz a Deus como ele mesmo gostava de ser chamado) -- bispo do coração ardente (Inácio – Ignatius – quer dizer precisamente “fogo”) --, que ficou na memória dos cristãos de todos os tempos por causa das inusitadas expressões de amor dirigidas a Cristo e à Igreja, as quais se leem nas cartas escritas durante a viagem que devia levá-lo a Roma, para ser martirizado – vítima ilustre da perseguição de Trajano.

Santo Inácio foi o terceiro Bispo de Antioquia, entre os anos 70 e 107, data do seu martírio. A cidade de Antioquia era uma metrópole síria, terceira em ordem de grandeza no vasto Império Romano, depois de Roma e de Alexandria. Hoje está localizada na Turquia. Ali surgiu uma comunidade cristã florescente e o primeiro Bispo foi o apóstolo Pedro e seu sucessor foi Santo Inácio.

Um historiador do IV século, Eusébio de Cesareia, registrou que “Inácio foi mandado da Síria a Roma para ser lançado como alimento às feras, por causa do testemunho dado por ele de Cristo. Realizando sua viagem pela Ásia, sob a custódia rígida de uma guarda numerosa, nas cidades onde parava ia consolidando as igrejas com pregações e admoestações” (SGARBOSSA, 2005 p.587).

De Esmirna, onde era bispo seu jovem amigo Policarpo, escreveu às Igrejas de Éfeso, Magnésia e Tralli, confiando as cartas aos respectivos bispos – Onésimo, Dama e Políbio --, que haviam ocorrido a fim de encontrá-lo para uma última saudação. Chegado a Trôade, Inácio escreveu outras quatro cartas, entre as quais uma a Policarpo, para confiar-lhe seus fiéis de Antioquia, a fim de que a grei não ficasse muito tempo sem pastor: “Onde está o bispo, aí esteja a comunidade, assim como onde está Cristo Jesus, ai está a Igreja Católica”. Esta última expressão destinada a passar para a história parece ter sido cunhada por ele, juntamente com a palavra “cristianismo”. Nesses textos, pode-se sentir o vigor da fé de toda uma  geração que ainda tinha conhecido os Apóstolos.

Esta coleção de sete cartas atribuídas a Santo Inácio insere-se perfeitamente, na primeira metade do século II. Inclusive, São Policarpo já mencionava, em sua epístola, trechos das cartas de Santo Inácio, dizendo: “Seu conteúdo é de fé, de paciência e ainda de grande edificação a respeito de Nosso Senhor”.

Além disso, observa-se que os conteúdos dessas cartas não são considerados tratados teológicos, mas “são testemunhos de um homem que vai morrer e só se interessa pelo que lhe parece essencial” (LIÉBAERT, 2000 p. 25). Nelas percebem-se o estado de alma de um mártir, as convicções de um crente e algumas das grandes preocupações de um pastor.

Outra idéia-força de Santo Inácio é a novidade do “cristianismo”, sua originalidade e independência com relação ao judaísmo. Eram veementes os protestos de Santo Inácio contra os cristãos judaizantes, que ele acusava de suprimir a realidade da Encarnação, morte e ressurreição de Cristo e, mais amplamente, de colocar o cristianismo na dependência do judaísmo.

Com Inácio “assistimos a afirmação de uma eclesiologia transcendental” (PADOVESE, 2004 P. 97) uma Igreja como comunhão de amor, na compreensão básica de que a Igreja daqui da terra, em sua vida, em suas relações internas e em suas operações, não é outra coisa que o reflexo e a reproposição terrestre de seu Arquétipo celeste, o Deus uno e trino em sua vida íntima e em suas misteriosas inter-relações.

Em sua caminhada rumo ao martírio, depois da travessia de Durazo a Bríndisi, Inácio prosseguiu pela via Ápia até Roma, onde terminou seus dias no anfiteatro, devorado pelas feras, apesar de a comunidade cristã ter-se empenhado em poupar-lhe a pena capital. Mas ele desejava ardentemente o martírio: “Deixai-me ser alimento das feras, pelas quais me será dado a desfrutar Deus. Eu sou o trigo de Deus: é preciso que ele seja triturado pelos dentes das feras a fim de ser considerado puro pão de Cristo”. Para não ser incômodo a ninguém, almejava encontrar sepultura no ventre de alguma fera esfaimada. É provável que os fiéis tenham conseguido subtrair os restos de seu corpo martirizado até o extremo ultraje, pois desde a Antiguidade os cristãos de Antioquia veneram seu sepulcro, situado às portas da cidade, e celebram sua memória em 17 de outubro.

Nenhum padre da Igreja expressou com a intensidade de Santo Inácio o anseio pela união com Cristo e pela vida n’Ele, entendendo que a unidade é antes de tudo uma prerrogativa de Deus que, existindo em três Pessoas, é Uno em absoluta unidade. Ele repete, muitas vezes, que Deus é unidade e que só em Deus ela se encontra no estado puro e originário.

Com efeito, Santo Inácio pode ser visto como verdadeiramente “doutor da unidade”: unidade de Deus e unidade de Cristo, unidade da Igreja, unidade dos fiéis na fé e na caridade, das quais nada há mais de excelente (BENTO XVI, 2012 p.19).

Referências
ALTANER, B; STWIBER, A. Patrologia. 3 ed. São Paulo: Paulus, 2004.
BENTO XVI,Papa. Os Padres da Igreja: de Clemente Romano a Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 2012.
LIÉBAERT, JACQUES. Os Padres da Igreja: Séculos I-IV. 3ed. São Paulo: Loyola, 2000.
PADOVESE, LUIGI. A Introdução à Teologia Patrística. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004.

SGARBOSSA, MARIO. Os Santos e os Beatos: da Igreja do Ocidente e do Oriente. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2005

Boa Leitura!

Cristandade




“CRISTANDADE”

O objetivo do presente trabalho é efetuar uma breve análise da ascensão e queda do fenômeno da “cristandade” e suas consequências na perspectiva histórica da Igreja. 

Buscaremos traçar um paralelo entre os fatores que contribuíram para que o cristianismo ascendesse de uma posição de religio illicita para o status de religião oficial do estado por um longo período, bem com trazer à discussão os fatores relacionados com a secularização da sociedade, que abalaram e levaram ao enfraquecimento dos elementos basilares da “cristandade”. 

Neste trabalho serão particularizadas as situações pertinentes à Igreja na América Latina e no Brasil.

As origens históricas da cristandade situam-se no início do século IV, quando Constantino, o Grande (306-337), põe fim ao período de perseguição aos cristãos, incorporando o cristianismo ao Estado Romano. Desta forma, com o Edito de Milão (313) foi concedida plena liberdade de religião e de culto a todos os cidadãos do Império. Inaugura-se um novo tempo do cristianismo. Em 391, Teodósio I (379-395) proíbe categoricamente o culto pagão em todo o Império e, pouco depois, o cristianismo adquire o status de “religião de Estado”. Surge assim a primeira cristandade com as inconfundíveis marcas da romanidade.

É na Idade Média que semelhante modelo de união Igreja-Estado se desenvolve e consolida. Significativa nesse contexto é a figura de Carlos Magno (768-814), que se auto-identifica como “rei-sacerdote” e, por isso, o natural protetor e propagador da Igreja, “por vocação divina”. Usa até a força bélica para impor a religião cristã a súditos rebeldes. Carlos cognominado “o Grande” pelos seus contemporâneos, apresenta-se como o “novo imperador Constantino”, escolhido por Deus para defender a cristandade e implantar por toda parte “a verdadeira fé”.

Na América espanhola, a Igreja, por seu tuno, era extraordinariamente rica e se destacava em importância perante o resto da sociedade. Suas rendas, muito altas, eram obtidas por meio de três fontes principais de receitas, a saber:

a) A primeira delas eram os proventos obtidos de suas propriedades rurais e urbanas, que eram inumeráveis;
b) A segunda fonte eram os dízimos, isto é, impostos obrigatórios cobrados sobre todas as produções e rendas que, por ordem papal, eram administrados pela Coroa; e.
c) A terceira provinha das rendas de capelanias[1] e censos[2]. “Isso significava a concentração nas mãos da Igreja de um vasto capital, responsável por sua transformação em um verdadeiro banco” (PRADO, 1994 P.10).

As ligações entre a Coroa Espanhola e a Igreja foram muito estreitas e sólidas. O papel evangelizador exercido sobre os índios era a outra face da dominação colonial. Essa ligação apareceria no chamado padroado, pelo qual o papa outorgava aos reis espanhóis uma série de prerrogativas, entre as quais se destacavam:

a)      O direito da nomeação de bispos e curas,
b)      A arrecadação de certos impostos,
c)      A criação e demarcação de dioceses e paróquia.

Além de tudo isso, a Igreja possuía um foro especial, o que a distinguia ainda mais do restante da sociedade. É fácil prever que a Igreja tomaria partido em favor da manutenção da ordem colonial que tantos privilégios lhe oferecia.

Mas, havia uma nítida divisão entre os membros da Igreja, que se verificava em razão da posição do chamado “baixo clero” que, vivendo em situações muito próximas às dos pobres, tomou muitas vezes, para os padrões vigentes, posições radicais e contestadoras, sobretudo pelas condições de vida miseráveis dos povos indígenas, que sofriam discriminações de toda natureza e recebiam um tratamento humilhante.

Na fase que se seguiu ao período colonizador espanhol, observou-se que após conquistar a independência, os estados que aos poucos se organizavam assumiram como tarefa combater e destruir a velha ordem colonial. Um dos objetivos foi destruir os foros especiais que gozava a Igreja. Essa luta desenvolveu-se com muitas particularidades nacionais, “sendo a mais encarniçada aquela desencadeada contra a Igreja e que em alguns países cindiu a sociedade em defensores e acusadores da instituição todo-poderosa” (PRADO 1994 p.17). Essa luta terminou, em geral, já no fim do século XIX com a separação total entre o Estado e a Igreja e com a subordinação desta ao poder maior do Estado laico.

A Igreja portuguesa e, por conseguinte, a Igreja no Brasil tinham menos poder e menos riqueza que a Igreja da América espanhola. O Papa também havia cedido ao Rei de Portugal o direito do padroado, pelo qual a coroa podia intervir nos negócios eclesiásticos, nomeando bispos, demarcando paróquia. Os dízimos da Igreja foram igualmente concedidos ao monarca português, que com eles devia realizar uma série de benefícios para a Igreja e, principalmente, manter a subsistência do clero com o pagamento das côngruas.

No Brasil, o clero esteve muito ligado aos senhores de terra locais. Tornou-se costume os filhos caçulas dos fazendeiros, por falta de melhor opção, ordenarem-se padres. Com o passar do tempo, a identidade entre clero e os senhores locais acentuou-se, fato sem paralelo na América espanhola. No Brasil, a exploração da população mais pobre por parte do clero foi pouco praticada, assim como a evangelização de espírito militante, ambas características do clero da América espanhola.

O projeto colonial se apoiava fortemente na Igreja e no Exército. Era inaceitável para essas instituições o desaparecimento dos privilégios e dos foros especiais a que estavam submetidas. “Para os defensores dessa situação, os fundamentos da sociedade se situavam na ordem proposta pela Divina Providência e sustentada pela Igreja Católica” (PRADO, 1994 p. 23). A fé, a tradição e a hierarquia eram a justificativas únicas e plausíveis dos atos dos governantes. O sistema político ideal era a monarquia, no qual Estado e Igreja permaneciam unidos; e a educação devia ser religiosa, já que advogavam o princípio do fundamento sobrenatural da sociedade. Mas, muitos da sociedade, principalmente os liberais, se opunham a ordem estabelecida propondo a laicização da sociedade e do Estado. Diziam que o poder emana do povo e resulta de um livre contrato entre a sociedade e seus governantes, do qual a divindade passa ao largo. Para eles devia-se separar o Estado da Igreja, subordinando-a ao poder laico. A educação devia ser leiga, abandonando a Igreja seu lugar privilegiado nesse campo.

Em alguns países da América Latina, houve um forte embate entre setores liberais laicos e a Igreja e seus aliados conservadores quanto aos projetos de constituição dos Estados Nacionais.  Eram dois caminhos que consideravam as questões sociais, políticas e ideológicas de forma distinta. A hegemonia ideológica da Igreja era um traço particularmente notável em vários países hispano-americanos.

Vale registrar que, no Brasil, a Igreja nunca foi um marco divisor nítido entre conservadores e liberais. Pelo contrário, muitas vezes havia preferência do clero pelos pensamentos dos liberais. Alguns gabinetes conservadores tomaram atitudes hostis contra a Igreja, como, por exemplo, na chamada “Questão Religiosa”, já no fim do Império, em que foram os conservadores que levaram ao tribunal os bispos “desobedientes”. É preciso lembrar que a Igreja do Brasil, tanto na Colônia como, depois, no Império, esteve firmemente subordinada ao Estado.

Este cenário de crise da “cristandade”, observado nas colônias latino-americanas, fazia parte de um contexto mais abrangente verificado no Continente Europeu, onde o movimento do ‘Renascimento’, no século XVI, provoca uma ruptura com o passado medieval. A cultura européia torna-se cada vez mais antropocêntrica (o homem é colocado no centro dos interesses) e, em conseqüência, assistimos a um irreversível processo de secularização da sociedade.

Essa tendência é reforçada com o nacionalismo do século XVIII, conhecido na história como época do Iluminismo. Toda a atenção se volta para o homem como indivíduo, e sua capacidade cognitiva é sumamente valorizada.

Desenvolve-se um espírito crítico aos tradicionais “dogmas de fé” e às autoridades que os sustentam e defendem. Semelhantes correntes manifestam-se fortemente na Inglaterra, onde verificamos também suas primeiras aplicações práticas (“Revolução Industrial”), mas é na França que vigoram com maior intensidade e recebem sua expressão filosófica mais elaborada. A nota característica de seu conteúdo é o anseio por liberdade em todas as atividades onde o homem está inserido. Isso tudo em detrimento da tradicional submissão religiosa e aceitação dos poderes estabelecidos.

Também no campo religioso essas idéias têm ressonância, dando origem ao deísmo[3]. Cresce um indiferentismo ou até ceticismo em relação às formas religiosas convencionais e particularmente à instituição eclesiástica. “A maçonaria, surgida na Inglaterra, em 1717, torna-se um instrumento eficaz na divulgação da mentalidade racionalista” (MATOS, 2011 P. 284).

Soma-se a isso o fato de o sistema de colonização adotado pelos europeus ter-se mostrado altamente violento: “Oitenta por cento dos índios da America mortos, em combate ou por doença. Cinquenta por cento da população original da Oceania dizimada somente no primeiro contato com os brancos. Grande parte dos povos da África escravizada ou assassinada. A conquista européia das terras e dos povos descobertos revestiu-se de um grau de violência poucas vezes visto na História” (AMADO, 1989 p. 8).

Os índios que se recusavam a obedecer ao rei europeu, ou a se converter, podiam ser legalmente combatidos, pois esses casos eram considerados na Europa como “guerra justa”. Antes do ataque, os índios rebeldes ouviam ultimatos e ameaças dos capitães de conquista.

Finalmente, podemos dizer que, em nome de Deus, todo tipo de exploração era utilizado buscando o lucro e o poder.  Foi constante a preocupação em cristianizar as populações encontradas nos territórios objetos da colonização. O próprio Rei estava pessoalmente comprometido com tais questões como nos mostra a ordem dada por D. João III, rei de Portugal, determinando a ida de pessoas às ditas terras para que a gente dela se convertesse à fé católica.  Assim, o fato dos conquistadores não hesitarem em recorrer à força contribuiu para uma situação onde emergiam revoltas e intolerâncias que, somados aos pensamentos reinantes na Europa, em atitudes hostis à Igreja como instituição e praticamente no fim da “cristandade”.

Referências
AMADO, JANAÍNA; GARCIA, LEDONIAS FRANCO. Navegar é Preciso: grandes descobrimentos marítimos europeus. 22ed. São Paulo: Atual, 1989.
MATOS, HENRIQUE CRISTIANO JOSÉ. Nossa História: 500 anos de presença da Igreja Católica no Brasil, tomo I, Período Colonial. 3ed.  São Paulo: Paulinas, 2011.
PEREGALLI, ENRIQUE. A América que os Europeus encontraram. 25ed. São Paulo: Atual, 1994.
POTESTÁ, GIAN LUCA; VIAN, GIOVANNI. História do Cristianismo. São Paulo: Loyola, 2013.
PRADO, MARIA LIGIA. A formação das nações Latino-Americanas. 18ed. São Paulo: Atual, 1994.




[1] “Capelanias eram rendas perpétuas deixadas a uma Igreja ou Convento em troca de missas, que deviam ser rezadas pela alma de quem as havia deixado”. (PRADO, 1994 p. 10)
[2] “Censo eclesiástico consistia na cessão da propriedade de terras da igreja a particulares em troca de uma renda anual” (PRADO, 1994 P.10).
[3] Deus existe, sim, mas se mantém a distância, e não influi efetivamente no cotidiano dos homens e da natureza.

Boa Leitura!

Dons Carismáticos


Dons Carismáticos nas Epístolas de Paulo à comunidade de Corinto

Trata o presente trabalho de examinar as Epístolas de Paulo aos Coríntios (I e II) sob a ótica dos dons carismáticos do Espírito Santo que, segundo o próprio São Paulo, é uma manifestação do Espírito em proveito do Corpo de Cristo (I Cor 12,27-30).
“A propósito dos dons do Espírito, irmãos, não quero que estejais na ignorância”. Assim começa São Paulo o capítulo 12 de sua primeira carta aos Coríntios com o desejo de informá-los sobre os dons espirituais. “Quer que compreendam o que sejam e como devem funcionar na vida da Igreja. Está preocupado porque sabe que os dons espirituais podem ser uma fonte de força para a Igreja, tanto quanto ocasião de problemas” (CLARK, 1983 p.5). As palavras-chave empregadas por São Paulo são: manifestação do Espírito, para proveito comum, dom gratuito, espiritual, poder, serviço.
        Em ambas as cartas, São Paulo evidencia a dimensão renovadora e escatológica da obra do Espírito, que visto como a fonte da vida nova e eterna comunicada por Jesus à sua Igreja. Na primeira Carta aos Coríntios lemos que Cristo, novo Adão, em virtude da ressurreição, Se tornou “Espírito vivificante” (I Cor 15,45-46). Isto é, foi transformado pela força vital do Espírito de Deus de maneira que Se tornou, por Sua vez, princípio de vida nova para os crentes. “Cristo comunica esta vida precisamente através da efusão do Espírito Santo” (AQUINO, 2003, p.12).
        O crente como indivíduo e a Igreja como um todo, são o templo do espírito, que os habita (I Cor 3,16; 6,19; 8,11). A posse atual do espírito é um penhor (II Cor 1,22; 5,5) da salvação escatológica do cristão. O espírito torna o cristão capaz de orar (I Cor 12,3). E o efeito característico do espírito são os “dons” como a profecia e as línguas (ICor 12 e 14). Estas e semelhantes manifestações são um testemunho do Cristo ressuscitado e certeza da esperança cristã (I Cor 14,14-16).
    O espírito é uma força da fé; ele revela e perscruta “as profundezas de Deus”, seus atos salvíficos, que são conhecidos pelo cristão somente pelo espírito que ele possui (I Cor 2,10-16), por isso ele é chamado espírito de fé (II Cor 4,13). Quando falamos em dons carismáticos, falamos de graças de Deus e da ação divina na Igreja e em nossas vidas. Se a Igreja nasce de Deus e é manifestada no mundo aos homens na pessoa e na missão de Jesus, edificada sobre os apóstolos, ela é também vivificada pelo Espírito Santo, enviado no Pentecostes, a fim de santificar a Igreja e adorná-la com seus frutos (I Cor 12, 4-7). É do Espírito Santo que a Igreja recebe seus carismas conforme lhe apraz. Espírito e carisma pertencem à Igreja unicamente porque ela os recebeu como dons gratuitos do Pai por Jesus Cristo. Por conseguinte, os carismas, como todos os outros dons espirituais, são a manifestação de uma única realidade: a vida abundante do Espírito, pois os dons não são separáveis do Doador. O Espírito Santo é o dom por excelência.
Os carismas são graças, isto é, são manifestações de Deus em nós; são ação criadora de Deus presente e atuante no homem. São dados a nós como dons gratuitos, não dependendo de méritos nem esforços humanos, como dons espirituais, que provêm do Espírito Santo, que consistem em um poder, capacidade para realizar algo, e cuja finalidade é um serviço em favor da comunidade cristã.
        O espírito aparece também em Paulo como sede da consciência e das funções psíquicas (I Cor 7,34; 2 Cor 7,11), equivale à alma (I Cor 16,18; II Cor 2,13). O Espírito Santo habita na Igreja não como um hóspede que, em todo o caso, permanece estranho, mas como a alma que transforma a comunidade em “templo santo de Deus” (I Cor 3,17; 6,19). À parte os diversos elementos descritos por São Paulo, é necessário sublinhar o critério que há de reger qualquer participação dentro da comunidade: que “tudo se faça com decoro e com ordem” (I Cor, 14,40).
        Os dons efusos do Espírito Santo são dons extraordinários dados pelo Espírito aos batizados, são também conhecidos como dons de serviço, pois servem para a evangelização e o pastoreio da Igreja. São “Carismas”.  São concedidos para a edificação do Corpo de Cristo, a saber:
  1. Dom de falar em Línguas: O dom de línguas é um dom de oração. Este dom vem socorrer a nossa dificuldade de orar: nós não sabemos “o que” nem “como” pedir a Deus ou o que dizer a Deus. Ele vem suprir nossa oração fraca e débil, vem nos fazer orar, mas orar segundo a vontade de Deus. O próprio Espírito Santo que habita em nós, ora em nós e por nós. Vem nos capacitar a orar de forma divina. Concede aos fiéis o dom de “cantar” em línguas. “Cantarei com o Espírito” (I Cor 14,14). Isto significa que o Espírito Santo através do dom de línguas, utiliza-nos para elevarmos um canto ao nosso Deus, levando-nos a expressar-lhe um louvor no Espírito a Deus. O Espírito nos capacita a glorificar o Senhor de maneira profunda, sincera e perfeita. Nesse louvor no Espírito, unimo-nos aos anjos e santos, que não cessam de, no céu, louvar o Senhor. O dom de línguas também se manifesta através de “falar” em línguas, que significa proclamar uma mensagem de Deus a um grupo ou assembléia de oração, através de línguas estranhas.
  2. Dom de Interpretação das Línguas: “… a outros, por fim, a interpretação das línguas” (I Cor 12,10). Ao proclamarmos uma mensagem de Deus em línguas é necessário suplicarmos o dom de interpretar-la, pois toda mensagem de Deus para o seu povo tem o objetivo de edificá-lo. E ao proferirmos palavras ininteligíveis, como se compreenderá o que dizemos? Seremos como quem fala ao vento (I Cor 14,9). O Espírito Santo concede que se compreenda o que está sendo dito em línguas. Esta compreensão se dá com o “coração”, e não através de uma tradução conceitual e gramatical das palavras. Este carisma pode ser dado tanto à pessoa que está orando ou falando em línguas, quanto a outra pessoa que está participando do grupo de oração. “Aquele que tem o dom de falar em línguas reze para ter o dom de interpretá-las (I Cor 14,13).
  3. Dom de Profecia: Deus se manifesta aos homens também através do dom da profecia. São Paulo considera o dom da profecia superior a todos os outros dons (I Cor 14,13), pois reconhece que através deste dom, Deus fala claramente e de forma simples, mas direta, com o homem (I Cor 14,5). O dom da profecia é para todos os homens de boa vontade e de fé que querem recebê-lo (I Cor 14,30).
  4. Dom de Ciência: A palavra de ciência é o dom através do qual o Senhor faz com que o homem entenda as coisas da maneira que ele entende; faz com que o homem penetre na raiz de cada acontecimento, fato, situação, estado de espírito. Portanto, através deste dom o Senhor dá um diagnóstico de um fato, uma situação, um estado de espírito… e do que Ele quiser revelar (I Cor 12,8).
  5. Dom da Sabedoria: “A um é dada pelo Espírito uma palavra de sabedoria” (I Cor 12,8). A palavra de sabedoria inspira o homem a conhecer como deve ser seu comportamento em cada situação, em cada vez que tem que resolver um fato ou um problema, a falar inteligentemente em situações concretas da sua vida ou de sua comunidade, levando-o a decidir acertadamente e de acordo com a vontade de Deus.
  6. Dom carismático da Fé: “a outros é dado pelo Espírito, a fé” (I Cor 12,9). O carisma da fé é uma graça especial que nos dá a certeza de que Deus agirá, de que o poder de Deus irá intervir em alguma situação da vida do homem confirmando nossa ação e oração com o sinal que lhe pedimos. É uma graça à qual devemos nos abrir e pedir a Deus. Pela fé carismática cremos que Deus opera hoje maravilhas em favor do seu povo. A fé move a manifestação do poder de Deus.
  7. Dom dos Milagres: “a um é dado pelo Espírito o dom de milagres” (I Cor 12,10). O dom de milagres é a ação do Espírito Santo que, para o bem de alguém, modifica o curso normal da natureza. O milagre é uma intervenção clara, sensível e visível de Deus no decurso “ordinário” ou “normal” dos acontecimentos: curas instantâneas de doenças incuráveis, ressurreição dos mortos, fenômenos extraordinários da natureza.
  8. Dom das Curas: “a outro, a graça de curar as doenças no mesmo Espírito” (I Cor 12,9). O dom das curas pode se manifestar de três formas. Tomando-se por base as três dimensões do homem: corpo, alma e espírito, compreendemos que este mesmo homem pode ser atingido por enfermidades em suas três dimensões. Existem os males físicos, os da alma ou interiores e espirituais. Se somos atingidos em qualquer área interior, necessitamos de uma cura interior. Se somos atingidos em nosso espírito, contaminando-nos com falsas doutrinas e apartando-nos sã doutrina da salvação, precisamos de uma cura espiritual ou libertação. Se somos atingidos no corpo com alguma enfermidade, necessitamos de uma cura física.
  9. Dom do discernimento dos Espíritos: “A outro é dado pelo Espírito o discernimento dos espíritos” (I Cor 12,10). Este dom nos permite discernir, examinar, perceber e identificar em nós mesmos, nas outras pessoas, nas comunidades, nos ambientes e nos objetos o que é de Deus ou o que é da natureza humana, ou ainda, o que é do maligno.
Ao falar dos dons espirituais, São Paulo nos dá uma relação do tipo de dons que tem em mente. “Há outras listas de dons espirituais, no Novo Testamento, mas não são os mesmos relacionados em I Cor 12,4-11, donde se conclui que São Paulo não estava tentando dar uma relação completa de todos os dons espirituais. Dá-nos exemplos suficientes destes para que possamos entender de que está falando” (CLARK, 1983 p. 11)
Podemos depreender que Carisma é uma manifestação do Espírito em proveito do Corpo de Cristo. Mais especialmente, é um dom gratuito (logo não depende de méritos nem de esforços humanos), espiritual (isto é, do Espírito Santo que atua em nosso espírito), que consiste em um poder (ou capacidade de realizar algo) e cuja finalidade é um serviço em favor da comunidade cristã. É difícil saber o que Paulo escreveria para a Igreja de hoje. Ele não queria que os Coríntios permanecessem ignorantes, mas poucos católicos, hoje, sabem alguma coisa sobre aquilo que Paulo queria que os Coríntios soubessem. São poucos os que compreendem o que são os dons espirituais e qual o seu lugar na vida da Igreja, razão pela qual se torna mais importante compreender o significado e o lugar dessas “manifestações do Espírito” na vida da Igreja.
  
Referências
ALDUNATE, CARLOS. Carismas, Ciência e Espíritos. 2ed. São Paulo: Loyola, 1981.
AQUINO, FELIPE. O Espírito Santo: Papa João Paulo II. Lorena, SP: Cléofas, 2003.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2010.
BÍBLIA DO PEREGRINO. 3 ed. São Paulo: Paulus,2011.
CHAVE BÍBLICA CATÓLICA. Organizado pela Equipe Editorial Ave-Maria. São Paulo: Ave-Maria, 2012.
CLARK. STEPHEN B. Os Dons Espirituais. 5ed. São Paulo, Loyola, 1983.
FLORES, JOSÉ H. PRADO. As Reuniões de Oração: como prepará-las e dirigi-las. São Paulo, Loyola, 1978.
McKENZIE, JOHN L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1984

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