domingo, 25 de maio de 2014

As Fontes sobre Jesus

Fontes de Informação sobre Jesus

           Jesus não nos deixou nada escrito de próprio punho e podemos conhecê-lo somente da palavra das testemunhas próximas a ele no tempo e especialmente dignas de confiança.

Do mundo romano

           Os três mais importantes testemunhos do mundo latino que remontam aos primeiros vinte anos do século II, e dizem respeito aos cristãos, ao novo culto, ao fundador foram escritos por Tácito, Suetônio e Plínio.

·         Tácito: Falou do incêndio de Roma e acusou Nero de ter culpado injustamente os “crestãos” (por volta dos anos 120). Menciona que o fundador, conhecido não com seu nome Jesus, mas com o título “Cristo” (=ungido). De fonte própria ou, mais provavelmente de informação cristã, direta ou indireta, conheceu a condenação de Jesus à morte “Sob o império de Tibério, foi supliciado pelo procurador Pôncio Pilatos”
·         Suetônio: O envolvimento dos cristãos no incêndio de Roma é confirmado por Suetônio e, em publicação do ano 121, ao falar da expulsão dos judeus de Roma menciona “Cresto”. Fala dele como se tivesse sido ativo pessoal fomentador das desordens. Um conhecimento impreciso, porém válido.
·         Plínio: Provavelmente no ano 113, manteve um rico intercâmbio de cartas com o imperador Trajano, chegando a solicitar diretivas sobre o modo de comportar-se a respeito dos cristãos, denunciados no sue tribunal. O testemunho de Plínio fez-nos conhecer o processo de divinização de Jesus de Nazaré efetuado pelo cristianismo primitivo.
·         Outros autores: Marco Cornélio Frontão (100-160) expõe ao ridículo o fato de que “um homem punido por seu delito com a pena suprema e o lenho de uma cruz constituem a lúgubre substância da sua liturgia”, dos cristãos, “aqueles patifes sem lei”. Luciano de Samósata (120-190) denuncia a crendice de tantos cristãos e calunia o fundador.

Testemunhos judaicos

O mais importante testemunho é Flávio Josefo. Escreveu por volta do ano 93 e testemunha sobre Tiago, irmão de Jesus, condenado ilegalmente à morte em 62 pelo sumo sacerdote Anamo (filho do Anás dos evangelhos). Escreveu ainda que por aquele tempo “viveu Jesus, homem sábio, se na verdade se pode chamá-lo de homem; de fato, ele realizava obras extraordinárias, doutrinava os homens que com alegria acolhem a verdade, e convenceu muitos judeus e gregos. Ele era o Cristo.” E acrescentou que Cristo ” apareceu no terceiro dia, novamente vivo”. As três expressões são artigos da confissão cristã: divindade, messianidade, ressurreição de Jesus profeticamente predita.
Da literatura rabínica é importante a passagem de Sanherin 43ª do Talmude babilônico a história de um condenado identificado mais tarde com o nome e título: “Jesus, o nazoreu”.
Fontes Cristãs

Se prescindirmos dos evangelhos, canônicos e apócrifos, sabemos muito pouco de Jesus pelos outros escritos do cristianismo das origens.

·         As cartas Autênticas de Paulo: As cartas de Paulo são os escritos cristãos mais antigos. O importante é que as fontes cristãs não procuram atestar materialmente o que Jesus disse e fez, mas oferecer dele uma própria “leitura” ou compreensão.
·         Os quatro evangelhos canônicos: João mostra um Jesus terreno que aparece ali transfigurado em ser divino e o escrito se mostra como expressão de uma cristologia concentrada na Palavra eterna de Deus. No entanto, não abandona totalmente o campo histórico: a Palavra divina encarnada é sempre o Nazareno. Marcos oferece a imagem de Jesus filho de Deus não glorioso. Mas Deus o exaltou na ressurreição e ele virá no fim, desta vez, sim, de modo glorioso. Mateus trata Jesus como competente mestre de vida, em palavras e obras, Intérprete divinamente autorizado da lei mosaica e Lucas propõe a imagem de Jesus salvador do mundo. Fica, contudo, sempre a ligação geral com o Jesus Terreno: seu retrato teológico é nutrido substancialmente com material variado transmitido em um processo vital de memória. Fusco resume assim o sentido dos evangelhos: “Importância dos acontecimentos narrados, insuficiência das tentativas precedentes, acurada pesquisa, ordenada exposição, plena confiabilidade”.
·         Além dos Evangelhos: Outro resultado da crítica histórica do século XX, confirmado no século passado, é a solução do problema sinótico da fonte dupla, adotada pela maioria dos estudiosos em preferência da dependência entre si dos evangelistas. Os autores da fonte Q inseriram material tradicional, por eles estruturado, dentro de um preciso quadro de interpretação teológica. Isso inclui igualmente a fonte da qual Lucas extraiu o grosso de seu material exclusivo, não derivado nem de Marcos nem de Q (uma cinquenta perícopes).
·         Os Outros “Evangelhos”: Dos apócrifos (evangelhos de Tomé, de Pedro, de Egerton 2, Secreto de Marcos) o de Tomé tem maior importância, eis que conservou tradições que com toda a probabilidade são as mais autônomas e quase todos os ditos de Jesus são introduzidos com: “Jesus disse”.
·         Ditos esparsos de Jesus: os agrapha: Fora dos evangelhos canônicos, encontram-se muitas outras palavras do Jesus terreno atestadas em diversos escritos. No entanto, fora dos evangelhos canônicos poucas são as novas palavras de Jesus com atestado de certa autenticidade.

Leitura Crítica

  A dificuldade não está no número das fontes cristãs, mas na sua natureza. São testemunhos da fé dos crentes das primeiras gerações, interessados não em reconstruir minuciosamente o passado, mas em dar sentido ao presente, referindo-se, porém sempre àquele passado vivido como carregado de significado. Portanto: in dúbio pro traditio, a menos que se demonstre sua inconfiabilidade dos casos específicos e neste caso: o onus probandi cabe a quem intenta afirmar a autenticidade jesuana deste ou daquele testemunho. Vários são os critérios, a saber:

·         Critério metodológico da diversidade ou dessemelhança:  Procura contrapor o Nazareno ao Cristo do dogma das Igrejas, fazendo valer, na prática o que na new quest dos anos 1950-70 tornou-se imperante. Evidencia a originalidade de Jesus com relação ao judaísmo, destacando-o de sua matriz cultural para fazer dele o fundador de uma nova “religião”, aquela da graça em contraste com a relegião da lei. “Uma estrita aplicação desse método produz um Jesus que não foi um judeu e que não teve nenhum seguidor”, segundo Charlesworth.
·         Critério do constrangimento: aquele da Igreja nascente no conservar e transmitir alguns aspectos da vida e do ensinamento de Jesus, que por isso não podem remontar a ele. Mas é análogo ao critério da diversidade, mesmo que seja visto somente de uma ótica psicológica.
·         Critério da múltipla atestação (Crossan) de um dado presente em mais fontes independentes.  Considera o testemunho tanto mais válido quanto mais numerosas são suas fontes independentes.
·         Critério da análise da linguagem e do estilo dos ditos de Jesus, das nossas fontes à descoberta de aramaísmos e estilemas semíticos.
·         Critério tradicional da coerência, consistente em atribuir a Jesus um dado congruente em relação ao quanto já dele conhecemos, de fato está subordinado ao critério da diversidade.
·         Critério da coerência histórica (Sanders) põe na sua base a pesquisa fundamentada sobre alguns fatos certos e busca apresentar uma imagem de Jesus coerente com tais certezas, no intuito de ser “um sério esforço de explicar historicamente alguns dos principais problemas sobre Jesus, em particular por que ele atraiu a atenção sobre si, por que foi condenado à morte, por que foi seguidamente divinizado”.
·         Critério da razão suficiente (Fusco com outros) que se aplica mais aos fatos que aos ditos de Jesus e se baseia sobre dados certos estabelecidos por outra via.
·         Critério plausibilidade histórica (Theissen e Winter) que objetiva demonstrar “a coerência de uma imagem geral de Jesus no contexto do judaísmo e do cristianismo das origens”.

  Na pesquisa histórica sobre Jesus, a via mestra deve ser marcada pela aplicação convergente dos diversos critérios indicados. Desta forma o autor considera promissor o método de Sanders de partir não dos ditos de Jesus mas de fatos certos. O Jesus histórico não pode pretender sobrepor-se AP Jesus terreno que viver então: é uma construção nossa que, feita com honestidade científica, ciente das possibilidades mas também dos limites do método histórico, ambiciona aproximar-se de qualquer modo dele.


Bibliografia:

BARBAGLIO, Giuseppe. Jesus, Hebreu da Galileia: Pesquisa Histórica. SP: Paulinas, 2012.

domingo, 4 de maio de 2014

O Seguimento de Jesus, segundo S. Lucas


Escatologia e o seguimento de Jesus na visão de São Lucas

         No presente trabalho busquei trabalhar os aspectos relacionados à escatologia e ao seguimento de Jesus, presentes nos capítulos 20 a 24 do evangelho de Lucas, enaltecendo as questões ligadas ao comportamento dos discípulos de Jesus no tocante a sacrificar a segurança pessoal, os deveres filiais e, até mesmo, os sentimentos e vínculos familiares em um comprometimento radical de suas vidas.

          Foi deveras apaixonante. Espero que seja para você também. Boa Leitura! Não se esqueçam de me enviar seus comentários.

Aspectos do Novo Testamento

Para o exame destas e questões e uma melhor compreensão, dividimos o texto em três partes, a saber:
a)   Ministério de Jesus em Jerusalém[1]: Inicia-se com a entrada majestosa de Jesus na cidade na qual consumará o seu “destino”; marca o começo do seu ministério no templo de Jerusalém, antes dos acontecimentos que porão fim à sua vida terrena.
b)   Relato da Paixão[2]: Apresenta de forma detalhada os relatos sobre o processo e condenação de Jesus à pena capital. Em dois capítulos, aparece o clímax do “êxodo” de Jesus, no qual começa sai “ascensão” ao Pai.
c)   Relatos da Ressurreição[3]: Mostram a exaltação de Jesus, o qual experimenta sua própria glorificação, envia oficialmente seus discípulos como testemunhas de sua pessoa e do seu projeto, e é elevado ao céu.
Fica evidente que as pessoas estavam cansadas, medrosas, desanimadas e perdidas por causa da situação na qual viviam[4]. Os seguidores de Jesus formam uma minoria perdida no meio de um imenso império, nas periferias das grandes cidades. Uns começam a abandonar a comunidade; outros duvidam que Jesus seja Salvador e têm dificuldade de acreditar que seja possível viver em fraternidade e resistir ao império com suas seduções opressoras.
O evangelho de Lucas é o único dos quatro evangelhos canônicos que começa e termina sua ação em Jerusalém, precisamente no templo. Imediatamente depois do prólogo geral à obra de Lucas[5], a primeira cena se desenvolve “no santuário do Senhor”[6]. Depois da ressurreição, os onze voltam para o templo em Jerusalém[7].
Lucas nos convida a não ter medo e andar com Jesus, que agora chega a Jerusalém, a cidade para onde caminhava. Chegando perto, Jesus continua muito firme e decidido: Caminha à frente da turma que vai com ele[8] .
Em Jerusalém, Jesus encontra um luxo que atrapalha e será destruído[9]; encontra uma estrutura que explora os pobres[10]. Mas, por outro lado, encontra sinais de esperança na atitude de uma viúva indigente que coloca no Tesouro do Templo duas pequenas moedas. Outros, ricos, depositam aí grandes quantias. Mas estes dão daquilo que têm sobrando.  A viúva, ao contrário, dá tudo o que tem para viver[11].
Jesus vem encontrando opositores desde o início de sua pregação. Mas agora, em Jerusalém, encontra-os reunidos, articulados, em maior número e dispostos a agir[12]. Assim, desde sua entrada em Jerusalém, tudo indica que Jesus não vai sobreviver, pois se depara com um poder que devora os pobres e também mata os que se solidarizam com eles e cobram justiça. Foi sempre assim e não será diferente desta vez[13]
Os seguidores de Jesus não devem esperar outra sorte. Como o próprio Jesus nos ensina: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim; chorai, antes, por vós mesmas e por vossos filhos! Pois, eis que virão dias em que se dirá: Felizes as estéreis, as entranhas que não conceberam e os seios que não amamentaram! Então começaram a dizer às montanhas: Caí sobre nós! e às colinas: Cobri-nos! Por que se fazem assim com o lenho verde, o que acontecerá com o seco?”[14] .
Ao iniciar seu ministério em Jerusalém, Jesus entra montado em um jumentinho, como messias humilde e pacífico, festejado e seguido pelos pobres[15]. Isso mexe com a opinião pública e apavora os poderosos. Mas Jesus vai mais longe. Entra no Templo e expulsa os vendedores. Ele não espera que os adversários o provoquem. Ele toma a iniciativa e conta a parábola que acusa abertamente os poderosos de assassinar os profetas e roubar do próprio Deus o seu povo. Em vez de entregar frutos de justiça e de vida, apropriam-se do povo e da religião e colocam tudo a seu próprio serviço[16]. Jesus pode agir porque o povo está com ele e do lado dele. Durante o dia todo Jesus está protegido pela presença do povo que se reúne para ouvi-lo[17] . À noite, quando o povo não está, Jesus se refugia fora da cidade[18].
A curta atuação de Jesus em Jerusalém ajuda muito para abrir os olhos dos discípulos. Diante deles, Jesus desmascara a corrupção do templo e enfrenta os chefes dos sacerdotes. Silencia saduceus, escribas e fariseus. E até alerta sobre falsos movimentos messiânicos[19]. Enfim, a sedutora estrutura de poder fica à mostra diante da prática profética de Jesus. Os discípulos podem entender quem são os chefes do povo e que interesses representam. Jesus também prepara os discípulos para não se atrapalharem com anúncios alarmistas de fim de mundo. Dá-lhes clareza sobre sua missão e anima-os a perseverar nela, sabendo que enfrentarão perseguições e incompreensões, até no ambiente familiar [20]. Por outro lado, ensina-os a olhar confiantemente para o futuro[21].
É verdadeiro que nos capítulos finais de Lucas, podemos observar marcas de violência, mas, sobretudo, iremos verificar sinais de misericórdia e de amor. Até mesmo os pecadores e bandidos sentem uma estranha confiança[22]. A caminhada de Jesus chega ao fim. Resta-lhe enfrentar a grande tentação de rejeitar a cruz, despedir-se dos seus discípulos, ser traído, condenado por todos os poderes, morrer na cruz e manifestar-se vivo aos discípulos. “Fica conosco”[23] . A separação em consequência da morte é muito difícil para os seus seguidores. Mas a descoberta de sua nova presença como ressuscitado enche-os de alegria e eles se transformam em testemunhas de Jesus. É o que relatam os capítulos 22 a 24 do Evangelho de Lucas.

“Doar toda a vida, por toda a vida”

Fica evidente que a terra é o lugar onde o céu se constrói, eis que o Cristo permanece conosco todos os dias[24]. O Cristo invisível é plenamente glorificado em Sua humanidade, entra na participação da onipotência do Pai e, por esse motivo, está mais do que nunca relacionado a cada um de nós[25]·.
A reação dos discípulos e das discípulas diante da execução de Jesus foi diferente. Enquanto os homens fogem, as mulheres permanecem fiéis e, apesar de os romanos não permitirem nenhuma interferência em seu criminoso trabalho, elas assistem de “longe” à sua crucificação e observam mais tarde o lugar do sepultamento[26]. Mas, sem dúvida, o que mais chama a atenção é seu protagonismo na origem da fé pascal. O anúncio primeiro da ressurreição de Jesus está ligado às mulheres[27].
O relato acerca dos discípulos de Emaús evita a linguagem tradicional das “aparições” e insiste-se no reconhecimento de uma presença. É o único relato em que o Ressuscitado passa horas com os discípulos, convivendo com eles e os acompanha pelo caminho, discute com eles e fica para a ceia.[28]
Enfim, “O que Lucas sugere é de grande importância” (PAGOLA, 2013): o Ressuscitado se faz presente e é uma presença real de alguém que nos acompanha no caminho. Uma presença não fácil de captar, porque nossos olhos podem estar incapacitados para reconhecê-lo; uma presença que nos convida a reconhecer que somos “insensatos e lentos de coração para crer” [29]. Mas é uma presença que vai despertando em seus discípulos a esperança. Mais tarde confessarão que, enquanto Jesus lhes falava pelo caminho, o coração ardia dentro deles[30]. Um caminho para encontrar-nos com Cristo ressuscitado e sentir que nosso coração se inflama com a sua presença é reunir-nos em seu nome, ler os evangelhos procurando descobrir o sentido profundo de suas palavras e de seus atos, lembrar sua crucificação e ouvir a partir de dentro, com coração confiante. O anúncio de sua ressurreição.
            E não basta isso. É necessária, além disso, a experiência da ceia eucarística para reconhecer a presença do Senhor ressuscitado[31], não só como alguém que ilumina nossa vida com sua Palavra, mas como alguém que nos alimenta em sua Ceia. É suficiente reconhecer sua presença, mesmo que seja apenas por alguns instantes. A experiência de sentir-se alimentados por ele transforma suas vidas. Agora se dão conta de que a esperança que haviam depositado em Jesus não era excessiva, mas demasiado pequena e limitada. Recuperam o sentido da vida. Com isso o evangelista sugere duas experiências privilegiadas no seguimento de Jesus pela comunidade cristã: a escuta pessoal da Palavra interpretada por Cristo e em Cristo e a experiência da ceia fraterna da eucaristia.

Seguir Jesus

Fica claro que Jesus não deixou atrás de si uma “escola”, no estilo dos filósofos grego, para continuar aprofundando-se na verdade última da realidade. Tampouco pensou numa instituição dedicada a garantir no mundo a verdadeira religião. Jesus pôs em marcha um movimento de “seguidores” que se encarregassem de anunciar e promover seu projeto do “reino de Deus”. Daí provém a Igreja de Jesus. Por isso, não há nada mais decisivo para nós do que reativar sempre de novo, dentro da Igreja o seguimento fiel à pessoa de Jesus. O seguimento de Jesus é a única coisa que nos faz cristãos.
Embora às vezes o esqueçamos, é essa a opção primeira de um cristão: seguir Jesus. Esta decisão muda tudo. É como começar a viver de maneira diferente a fé, a vida e a realidade de cada dia. Encontrar, por fim, o eixo, a verdade, a razão de viver, o caminho.
Na visão de Lucas, seguir Jesus implica por no centro de nosso olhar e de nosso coração os pobres. Situar-nos na presença dos que sofrem. Fazer nossos seus sofrimentos e aspirações. Assumir sua defesa. Seguir Jesus é viver com compaixão. Sacudir de nós a indiferença. Não viver só de abstrações e princípios teóricos, mas aproximar-nos das pessoas em situação concreta. Seguir Jesus pede desenvolver a acolhida. Não viver com mentalidade de seita. Não excluir nem excomungar. Fazer nosso o projeto integrador de Jesus. Derrubar fronteiras e construir pontes. Eliminar a discriminação.
Seguir Jesus é assumir a crucificação pelo reino de Deus. Não deixar de definir-nos e tomar partido por medo das consequências dolorosas. Carregar o peso das atitudes que não são cristãs e tomar a cruz de cada dia em comunhão com Jesus e os crucificados do nosso tempo. Seguir Jesus é confiar no Pai de todos, invocar seu nome santo, pedir a vinda de seu reino e semear a esperança de Jesus contra toda esperança.
O evangelista Lucas é um dos escritores do Novo Testamento que mais questiona os discípulos com relação ao uso das riquezas materiais. Nos capítulos sob comento temos algumas passagens que realçam este aspecto: a oferta da viúva[32], o tributo a César[33], a traição de Judas[34]. Há, ainda, o caso do jovem rico e seu caráter emblemático: “vende tudo o que tens, distribui aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois vem e segue-me[35].
Nestas passagens ficam claras as condições de seguimento de Jesus: ser pobre, libertar-se do desejo de acumular, ser desprendido e solidário, não agarrar as coisas para si mesmo e livrar-se da idolatria do dinheiro.
Uma das primeiras exigências para seguimento de Cristo é aceitar a perseguição que vem da luta contra o ódio, a violência e a injustiça do nosso tempo[36]. Não fugir da luta e trabalhar a favor da vida, da justiça e da verdade exige a coragem de carregar a cruz na história[37]. Diante da busca de uma libertação de tudo o que oprime e desumaniza o ser humano, a cruz é o sinal que mostra a vitória da luta.

Viver e morrer com esperança de Jesus

De acordo com o relatado no evangelho de São Lucas “Era já mais ou menos a hora sexta quando o sol se apagou, e houve treva sobre a terra inteira até a hora nona, tendo desaparecido o sol. O véu do Santuário rasgou-se ao meio, e Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Dizendo isso, expirou”[38].
Não era só o grito final de um moribundo. Naquele grito estavam gritando todos injustiçados da história. Era um grito de indignação e de protesto. Era, ao mesmo tempo, um grito de esperança. Provavelmente os primeiros cristãos nunca esqueceram este grito de Jesus que ecoa até os nossos dias. No grito do Cristo rejeitado e executado por buscar a felicidade de todos está a verdade da última vida. No amor do Crucificado está o próprio Deus, identificado com todos os que sofrem, gritando contra todas as injustiças, torturas e abusos de todos os tempos.
“Há no mundo um “excesso” de sofrimento inocente e irracional” (PAGOLA, 2013). Nós que vivemos satisfeitos na sociedade da abundância podemos alimentar algumas ilusões efêmeras, mas será que existe algo que possa oferecer ao ser humano um fundamento definitivo para esperança. Se tudo acaba na morte, quem nos pode consolar. Nós, seguidores de Jesus, nos atrevemos a esperar a resposta definitiva de Deus lá onde Jesus a encontrou: para além da morte.
Toda a vida de Jesus é orientada para a cruz. Ele é o servo, o inocente que sofre por puro amor sob o peso da injustiça e do pecado do mundo. A Paixão é o resultado de sua solidariedade com os esquecidos, abandonados e perdidos. A cruz, portanto, é a chegada de um caminho de fidelidade de Cristo ao Pai, ao Reino e ao amor pelas pessoas. Jesus morre no monte Calvário, isto é, monte da Caveira[39]. A cruz nunca está separada da ressurreição. Nela está o mistério cristão.  A ressurreição sem cruz é vazia e a cruz sem ressurreição é cega. Pela cruz Deus julgou o mundo e a sua decisão foi pronunciada na ressurreição do Crucificado. Enquanto os representantes da Lei e do poder dizer um não a Jesus, manifestando a vitória do mal, Deus destrói esse não, sentenciando o seu sim.
O universalismo de Jesus vai além do âmbito “geográfico” e racial. É muito mais forte no sentido social. Jesus mantém um relacionamento aberto com os mais diversos representantes de todas as classes sociais marginalizadas e excluídas[40].
Lucas propõe a imagem de Jesus salvador do mundo: “Deve ser anunciada no seu nome a conversão para o perdão dos pecados a todas as nações”[41].
Solidarizar-se com os crucificados deste mundo – empobrecidos, injustiçados, marginalizados – é defendê-los. Deus não ficou indiferente às vítimas e aos sofredores da história. Por amor e solidariedade ele se fez pobre, foi condenado, crucificado e assassinado. Deus morre unido ao sofrimento da humanidade. Deus, porém, não é solidário apenas na dor; é solidário também na esperança.
A salvação acontece com base na história da humanidade e significa que resgatar a integridade do ser humano é, na realidade, restabelecer sua relação inata com Deus, com os outros, com toda a criação e consigo mesmo. “Não podermos esquecer que o credo cristão afirma a convicção na ressurreição da “carne”, na apenas da “alma” (MOREIRA, 2012). Salvação é um dos efeitos mais importantes do acontecimento Cristo, pelo menos na mentalidade de Lucas. Ele é o único dos evangelistas sinóticos a chamar Jesus de “Salvador”. O melhor resumo que mostra o que é salvação e: “O filho do Homem veio buscar o que estava perdido e salvá-lo[42].

Fidelidade de Jesus à Missão

Mas a vertente mais profunda da morte de Jesus é a sua decisão pessoal de não abandonar o caminho quando surge a cruz. Jesus vai até o fim, Sua fidelidade à missão vai às últimas consequências. Com os discípulos, antecipa o que vai acontecer e prepara-os para isso. Diante das autoridades, fala pouco, às vezes, prefere mesmo calar. Ressuscitado, Jesus se manifesta aos seus e confirma-os na sua missão. O demônio, que não conseguiu desviar Jesus do caminho traçado pelo Pai, volta ao ataque no momento da Paixão[43].
É o momento mais difícil na vida dos discípulos. Um dos doze trai Jesus. Os outros não entendem o que está acontecendo. A tentativa de acompanhar Jesus a certa distância também se frustra. Pedro nega conhecer Jesus. Os outros já se haviam sumido. Alguns, poucos, porém, destacadamente as mulheres, acompanham Jesus de longe. A crença na ressurreição também é difícil. Mas ela acaba envolvendo a todos.
Lucas tem um jeito próprio de contar a história da prisão, condenação, morte e ressurreição de Jesus. Ele está em sintonia com as grandes linhas dos outros evangelistas. Mas põe também seu coração nesta narração. Ele dá destaque ao fato de que Jesus supera as dificuldades pela oração[44]. Mas não basta que Jesus vença a tentação. Os discípulos também terão de enfrentá-la e precisam preparar-se para isso através da oração, oração deles próprios e de Jesus[45].
O Evangelista coloca no contexto da última ceia de Jesus a discussão dos discípulos sobre quem seria o maior[46]. Maior é aquele que serve. Jesus mesmo é apresentado como aquele que serve. A vida e a morte de Jesus são uma lição de serviço que os discípulos de ontem e de hoje devem assimilar. O serviço está intimamente relacionado com a celebração da Eucaristia. A Eucaristia é a celebração do radical serviço de Jesus, dando sua vida. Mesmo na cruz, Jesus demonstra misericórdia. Reza pelos que o torturam e matam: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!”[47].

Conclusão

Com efeito, podemos notar que a nossa fé em Cristo ressuscitado não é só fruto do sinal do sepulcro vazio nem do testemunho dos que viveram a experiência de encontrar-se com ele. É necessário, além disso, reconhecer a presença de Cristo vivo em nossa própria vida. O ressuscitado é o crucificado. Jesus ressuscitado não é um espírito, não é alguém outro que não o próprio crucificado. Os discípulos de Jesus daquele tempo e de hoje não podem criar um Jesus ressuscitado distante e diferente do crucificado. É o Jesus da pregação do Reino de Deus na Galileia e da cruz em Jerusalém que ressuscitou. Para deixar claro isso, Jesus mostra as mãos e os pés e come com eles[48]. O encontro com Jesus ressuscitado não acontece no túmulo, mas na caminhada da vida e na comunidade reunida. O túmulo vazio é apenas um indicativo da ressurreição. Ele precisa ser iluminado pela palavra de Jesus. Jesus ressuscitado manifesta-se aos seus discípulos.
Na medida em que a vida vai sendo retomada no diálogo e vai sendo relacionada com a Bíblia, acende-se um ardor nos corações. Algo como um sentimento de que nem tudo está morto. A vida da comunidade e, particularmente, a celebração litúrgica são espaços de experiência forte do ressuscitado. Eles remetem para a vida concreta. Enviam para a vivência do testemunho e renovam a esperança. Acompanhados pela “força do Alto” que capacita o discípulo para a missão[49]. Todo o ministério de Jesus é visto por São Lucas como uma progressiva realização do plano salvador predito pelos profetas. O tempo de Jesus é o HOJE DA SALVAÇÃO. Esse tempo, inaugurado por Jesus, continua no tempo da Igreja. O Ressuscitado continua vivo e ativo na sua Igreja: “Fica conosco[50] dizemos também nós.
A ressurreição de Jesus é para nós a razão última e a força diária de nossa esperança: o que nos alenta para trabalhar por um mundo mais humano, segundo o coração de Deus, e o que nos faz esperar confiantes na salvação. São Lucas nos mostra que em Jesus ressuscitado descobrimos a intenção profunda de Deus confirmada para sempre: uma vida plenamente feliz para toda a criação, uma vida libertada para sempre do mal. A vida vivida a partir de sua Fonte: “então verão o Filho do Homem vindo numa nuvem com poder e grande glória. Quando começarem a acontecer essas coisas, erguei-vos e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação”[51].




[1] Lc 19,28 – 21,38
[2] Lc 22,1 – 23,56a
[3] Lc 23,56b – 24,53
[4] Lc 24,13-24
[5] Lc 1,1-4
[6] Lc 1,5-23
[7] Lc 24,53
[8] Lc 19,28
[9] Lc 21,5-6
[10] Lc 20,46-47
[11] Lc 21,1-4
[12] Lc 20,2-19
[13] Lc 20,9-15
[14] Lc 23,28-31
[15] Lc 19,29-38
[16] Lc 20,9-19
[17] Lc 21,8
[18] Lc 21,37
[19] Lc 21,8
[20] Lc 21, 12-19
[21] Lc 21,28
[22] Lc 23,42
[23] Lc 24,29
[24] Lc 21,33; 22,28-30
[25] Lc 24,30-53
[26] Lc 23,55-56
[27] Lc 24,10-11.23-24
[28] Lc 24, 13-35
[29] Lc 24,25
[30] Lc 24,32
[31] Lc 24,30
[32] Lc 21,1-4
[33] Lc 20,25
[34] Lc 22,5
[35] Lc 18,22
[36] Lc 21,8-18
[37] Lc 21,34-36
[38] Lc 23, 44-46
[39] Lc 23,33-47
[40] Lc 21,1-4; 23,27-31; 23-43
[41] Lc 24,47
[42] Lc 19,10
[43] Lc 22,3.53
[44] Lc 22,41-44
[45] Lc 22,31-32.40-46
[46] Lc 22,24-27
[47] Lc 23,34
[48] Lc 24,36-42
[49] Lc 24,49
[50] Lc 24,29
[51] Lc 21, 27-28