segunda-feira, 26 de junho de 2017

Racionalidade Econômica


    A Economia e a Escassez

A corrente principal de pensamento econômico ocidental define-se a si mesmo como a ciência da escassez. Muitas ciências analisam os comportamentos individuais e coletivos de muitos pontos de vista. A economia analisa esses comportamentos porquanto eles envolvem o problema da escassez. Por sua vez a escassez deve ser vista como um descompasso, um desajuste entre as necessidades e os recursos. A escassez só aparece quando existe desequilíbrio entre demanda e a oferta.
            A natureza humana produz inesgotáveis necessidades. E o simples fato de atender a determinados anseios não apaga os desejos, mas os desloca sobre outros objetos. As necessidades não se esgotam e o problema de escassez permanece sem solução. A palavra necessidade dá a impressão de que se trata de algo indispensável. A economia não cuida apenas do indispensável, interessa-se também pelo surpéfluo. A fronteira entre ambos é relativa. Hoje todos concordam que ter luz em casa é indispensável; há 200 anos, ninguém tinha; portanto era dispensável. No correr dos tempos certos bens e serviços tornam-se necessários simplesmente em função de seu uso social.  O curioso é que se observa certa tendência da pessoa em definir como dispensável e luxuoso  o consumo dos outros.
            A escassez lastreia uma propriedade econômica fundamental que é o valor. A falta que se sente ou que se irá sentir leva o homem a dar valor não só aos bens e serviços, mas também às pessoas, idéias, obras artísticas, emoções e a tudo e a todos que preza. A experiência humana universal confirma que o homem “valoriza apenas aquilo a que aspira em maior quantidade ou qualidade do que o disponível” (VERVIER, 1991, p 262).  O valor e seu conceito anexo de “riqueza” podem servir de fio da meada para contar a história do pensamento econômico.
            Para os mercantilistas primitivos, a riqueza era apenas o acúmulo de dinheiro. Os fisiocratas franceses refinaram o pensamento econômico identificando a verdadeira riqueza de uma nação com sua capacidade produtiva. Os marginalistas[1] escolhem um caminho mais abstrato: a riqueza aumenta com o grau de satisfação individual e coletiva. Para os economistas clássicos, o valor das coisas é de certa forma proporcional à quantidade de trabalho humano envolvido na sua produção. A definição aponta certamente um elemento gerador de valor essencial, mas ela peca por omissão, como ilustrado no exemplo abaixo:
A construção de uma ponte de concreto no meio da selva amazônica envolverá uma enorme quantidade de trabalho sem produzir nenhum valor. Se o produto não tem uma utilidade individual e social, ele não valerá nada mesmo que sua produção seja trabalhosa. (VERVIER, 1991, p 262).
            Assim, para se estabelecer o valor em regime de escassez no mercado, é importante levar em consideração os custos e as dificuldades para produzir algo e, também, a utilidade do produto. A definição do valor, certamente, irá atingir um maior grau de generalidade, eis que não abrange apenas os bens tradicionalmente econômicos, mas, sim, tudo o que o ser humano preza.   Por tudo isso o valor é individual, uma vez que as necessidades são heterogêneas e transitórias. O preço é para o valor uma medida convencional e relativa. A verdadeira medida do valor encontra-se no preço de determinado bem relativamente aos preços dos demais produtos e recursos disponíveis. Nesse sentido o preço serve de denominador financeiro comum de uma infinidade de coisas fisicamente heterogêneas.
            Não se pode reduzir o campo de aplicação do princípio da escassez como fonte do valor exclusivamente ao domínio do intercâmbio de bens materiais. “A superação da escassez se constitui numa dimensão fundamental e nobre da felicidade humana, e, portanto, a definição formal da ciência econômica vai muito além de seu campo de aplicação tradicional” (VERVIER, 1991, p 263).



[1] Os marginalistas são considerados economistas da escola neoclássica que sucedeu a escola clássica. Surgiram ao final do século XIX. O pensamento marginalista concentra sua análise na oferta e na demanda, na racionalidade de um indivíduo e sua capacidade de maximizar a utilidade ou o lucro. Emprestou grandes avanços no uso de modelos matemáticos na economia.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Os Patriarcas



Sagrada Escritura



O povo com o qual Deus fez a primeira Aliança é, também, denominado “povo de Deus”. Este povo desenvolveu-se perto do Mar Mediterrâneo, no Oriente Médio, onde hoje estão Israel e Palestina. No início, era um pequeno grupo de migrantes que saiu da Mesopotâmia e eram chamados hebreus, liderados por Abrão que passou a se chamar Abraão[1], um rico chefe de tribo, da região de Ur, na Caldeia, sul do atual Iraque. Os hebreus se distinguiam por acreditarem num Deus único e pela consciência de que este Deus, de bondade pura, caminhava com eles. Ao longo da história, este povo teve outras denominações como, por exemplo, povo de Israel, povo Judeu. Este trabalho cuidará de levantar os aspectos relacionados à mensagem teológica presente nas narrativas acerca dos patriarcas Abraão, Isaac, Jacó e José, que, em grande parte de suas vidas, peregrinaram de um lugar para outro seguindo itinerários que cobriram um amplo raio que vai desde Ur dos Caldeus, na Mesopotâmia, até o Egito, passando por Harã e Canaã, destino final e onde eles residiram a maior parte do tempo. Como descreveremos a seguir, esses itinerários patriarcais contribuíram decisivamente para que houvesse uma coesão dos legados teológicos por eles deixados.

Abraão, o Pai da fé

Descendente de Sem, Abraão, em obediência ao chamado de Deus,  deixou sua terra e foi em direção à Terra Prometida. Esta obediência implicava sacrifício, mas a sua fé era grande. Pôs-se em viagem, deixou sua pátria e suas propriedades levando consigo sua esposa Sarai, que passou a se chamar Sara[2], seu sobrinho Lot e grande quantidade de servos e chegaram à terra de Canaã. Caminhou por Siquem, Hebron, Betel e Bersabé. Andou também até o Egito.
Algumas características da personalidade de Abraão, modelo de fé, levaram-no a uma conversão total implicando transformação de sua própria vida. A narração bíblica de sua vocação mostra-nos um homem temente e obediente a Deus e que nem as condições de limites físicos e emocionais o levaram a desacreditar na vontade do Senhor. Diante de sua adiantada idade, com mais de cem anos, e tendo presente a condição de esterilidade de sua esposa, demonstrou personalidade decidida e buscou fazer a sua parte e não ficar de braços cruzados na espera da realização das promessas. Adotou como filho um servo, mas foi-lhe dirigida pelo Senhor a palavra de que “não será esse o seu herdeiro, mas alguém saído de seu sangue”[3]. A fé de Abraão é a confiança numa promessa humana irrealizável.
Por conselho de sua mulher Sara, Abraão se uniu a uma escrava, Agar, que deu à luz Ismael. Fez isto porque era costume na época considerar filho da esposa o filho da escrava da esposa, quando ela consentia. Também desta vez Deus se manifestou dizendo que a sua descendência proviria dele e de Sarai[4]. Abraão ficou agora sem saber o que fazer, mas acreditou e esperou. No entanto, Abraão e Sara envelheciam. Um dia, enquanto estava acampado em Mambré, apareceram três anjos sob a forma humana e lhe anunciaram o nascimento de um filho, o que aconteceu um ano depois. O filho foi chamado Isaac[5].
Tudo parecia resolvido, mas a fé de Abraão devia ser ainda duramente provada. O filho cresceu e se tornou adolescente. Deus mandou que lhe imolasse Isaac no monte Moriá. Sem duvidar mais uma vez, Abraão passou na prova da fé e da obediência. No último momento Deus impediu o sacrifício e lhe renovou todas as promessas[6].
Que sentido pode-se tirar desse episódio? Deus é o Deus da vida e não da morte. O testemunho dado por Abraão de obedecer fielmente à vontade de Deus denotou sua disposição sempre viva de fazer o que Deus lhe ordenasse, mesmo que lhe custasse a vida de seu único filho. Abraão morreu aos 175 anos de idade e foi sepultado numa gruta que ele comprou de um heteu sem ter um palmo de terra própria. Deus lhe tinha prometido que seria pai de uma grande nação numa Terra Prometida. A promessa de Deus se cumpriu na sua descendência [7].

A Continuidade da Promessa em Isaac
Abraão estava então quase no fim da vida e pensou que Isaac devia constituir família, mas como o Senhor tinha proibido de fazer desposar os seus descendentes com mulheres cananeias, mandou um velho servo a Nacor na Mesopotâmia e ali foi encontrada Rebeca. Isaac a desposou e teve dela dois filhos gêmeos: Esaú e Jacó.
Da mesma forma que acontecera com Abraão, temos que para Isaac foi mantido o mesmo discurso divino relacionado à benção e à promessa. A ele o Senhor apareceu e disse que estaria com ele, o abençoaria e faria sua posteridade numerosa.[8] Outra questão importante é que ele se tornou extremamente rico e pôde restituir ao povo hebreu os poços que tinham sido cavados nos dias de seu pai Abraão e que os filisteus tinham entulhado[9].


Jacó, o Pai das Doze Tribos de Israel.

Com relação à descendência de Isaac observa-se que seu filho Esaú cedeu o seu direito à primogenitura a Jacó por um prato de lentilhas[10]. Usando de ardil ao fazer-se passar por seu irmão[11], Jacó logrou obter a benção de primogenitura à época em que Isaac já se encontrava em idade avançada. Esaú passou a odiar Jacó por causa da benção que seu pai lhe dera[12]. Jacó teve que fugir para Harã onde se casou com duas irmãs, Lia e Raquel, e depois de muitas vicissitudes voltou a se reconciliar com seu irmão Esaú[13].
Releva observar que Jacó teve um sonho onde o Senhor lhe renovava as mesmas promessas que haviam sido feitas a Abraão e a Isaac[14]. Em outro episódio, Deus, em forma de homem, se pôs a lutar com Jacó e os dois lutaram até a aurora despontar. Deus o aleijou, mas não conseguiu vencer Jacó que não o quis largar até ter recebido dele sua benção. Na ocasião Deus mudou o nome de Jacó para Israel, que significa “aquele que luta com Deus e vence” [15].
Israel teve doze filhos. Deles surgiram as doze tribos de Israel. O mais velho foi Rubem que também cedeu o direito à primogenitura para Judá. Entre os filhos de Jacó, o mais novo, era José, nascido da esposa predileta de Israel: Raquel. Israel tinha para com ele um amor especial por ser o filho de sua velhice. Por isso era invejado pelos seus irmãos. Além disto, ele frequentemente tinha sonhos proféticos, o que incomodava os irmãos.

José do Egito, o filho de Israel

A longa narração da história de José pertence à tradição Eloísta. Para os Javistas, Deus se manifestava de forma antropomórfica, para os eloístas os sonhos punham o homem em contato com Deus, sendo muitas vezes considerados como revelação do futuro, como presságios. José tinha este dom de Deus: ter manifestações divinas através de sonhos e o dom de interpretar os sonhos dos outros.
Por causa da inveja, os irmãos de José o venderam como escravo e ele foi levado para o Egito. Deus estava com José e lá no Egito, embora passando sofrimentos e tentações, se tornou grande e poderoso, eis que revelou o sentido de um sonho do Faraó que se encantou com ele e o nomeou Vice-Rei do Egito.
Durante um grande período de carestia, o clã de Israel se viu obrigado a procurar alimentos no Egito. Foi lá que José reencontrou seus irmãos e lhes perdoou o mal que eles lhe tinham causado. Mandou vir para o Egito toda a sua família e encontrou seu velho pai, Israel (Jacó), tendo recebido sua bênção. Conheceu seu irmão Benjamim, que tinha nascido depois de sua partida ao Egito, e viveu seus últimos anos abençoado por Deus.  José e seus irmãos formaram as 12 tribos que deram origem ao povo eleito.
A história de José leva-nos a enxergá-lo como um tipo de José, esposo de Maria. A passagem em que o Faraó disse a José: “Visto que Deus te fez saber tudo isso, não há ninguém tão inteligente e sábio como tu. Tu serás o administrador de meu palácio e todo o meu povo se conformará às tuas ordens, só no trono te precederei”. José morreu com a idade de cento e dez anos; embalsamaram-no e foi posto num sarcófago, no Egito[16].

Patriarcas, líderes do Povo escolhido por Deus

A riqueza de bênçãos com que Javé impera na natureza e na história também é tema das histórias dos patriarcas: “O Senhor abençoa seu povo pela promessa de terra e descendência. Este povo deve tornar-se bênção para todos os povos” (SCHNEIDER, 2012). “As promessas divinas perpassam como água por todas as narrativas dos patriarcas” (LÓPEZ, 2006), a saber:

    I.         Promessa de um filho: Gn 15,4; 16,11; 17,16.19-21; 18,10.14 (Abraão)

  II.         Promessa de descendentes: Gn 12,2; 13,16; 15,5; 16,10; 17,2.4-6; 21,12-13; 22,16-18 (Abraão); 26,4.24 (Isaac); 28,14; 35,11; 46,3 (Jacó).

III.         Promessa de uma terra: Gn 12,1.7; 13,14-15.17; 15,7.13-16.18; 17,8 (Abraão); 26,2-4 (Isaac); 28,13.15; 35,12 (Jacó).

IV.         Promessa de assistência/acompanhamento: Gn 26,3.24 (Isaac); 28,15; 31,3. 46,4 (Jacó)

   V.         Promessa de bênção: 12,2-3; 17,16.20; 22,17.18 (Abraão); 26,4.24 (Isaac); 28,14 (Jacó)

Nas narrativas de José, faltam os discursos divinos e, consequentemente, também as promessas. José conhece a vontade de Deus por meio dos sonhos. Os discursos divinos se situam na perspectiva do patriarca ao qual se dirigem, mas apontam em última instância para a história de Israel. Alguns constituem um verdadeiro programa divino não somente para os patriarcas, mas também para os seus descendentes.
Ao que se sabe hoje, a época dos patriarcas não pode ser demarcada como período claramente delimitado. Mais importante é saber da característica do seu modo de vida como pacatos pastores de gado de pequeno porte na periferia da terra de cultura. Este modo de existência marcou a experiência de Deus para eles, a qual pode ser sintetizada nos seguintes aspectos:

            a) Deus providencia o espaço vital necessário (promessa da terra);
            b)  A continuidade de existência do clã (promessa da descendência).
A estrutura linguística “O Deus de Abraão, Isaac e Jacó” ou “O Deus do meu/teu Pai” introduz um componente pessoal na experiência de Deus. O Deus cultuado dá proteção ao clã que o adora e acompanha os grupos migrantes. Deus não se prende a um lugar, mas a uma comunidade humana.
A maioria dos exegetas parte hoje da premissa de que os patriarcas foram personagens históricos – certamente lideres ou patriarcas fundadores de clãs nômades --, ao redor dos quais se teceram incialmente narrativas em tradição oral, nas quais também entraram experiências posteriores dos respectivos clãs.
O mais antigo material de tradição dos patriarcas a entrar na consciência israelita global foi provavelmente aquele a respeito de Jacó. Somente Jacó é pressuposto em Dt 26, 5-9; somente ele foi associado a temas posteriores do Pentateuco, ao se tornar o pai dos patriarcas das Doze Tribos, inclusive emigrando com elas para o Egito. Somente por intermédio dele é que os outros patriarcas foram associados com aqueles temas, mercê da associação genealógica iniciada por Jacó e seus filhos. (FOHRER, G. Geschichte, 39 apud SCHNEIDER 2012, 61).
No tocante à questão discutida de como a experiência dos patriarcas com Deus estava relacionada com o culto ao Deus criador EL na terra de cultura Cananeia, para onde migraram os clãs nômades, parece que houve um processo de assimilação ao longo do qual os patriarcas e seus descendentes passaram a cultuar como seu Deus familiar a divindade criadora conhecida em toda Canaã. Abraão se distinguia dos demais habitantes de Haran, por adorar um Deus único, enquanto todos ali eram politeístas.
Na tradição de fé israelita as experiências com Deus narradas nas histórias dos patriarcas são associadas, tanto em termos terminológicos quanto genealógicos, com a fé em Javé do grupo de Moisés. Aparentemente o nome Javé desenvolveu tamanha força integradora pelas memórias históricas a ele associadas, que nele também se puderam inserir as experiências de alguns clãs familiares não sedentários.
Nos tempos atuais temos igualmente que “Os patriarcas [...] foram e serão sempre venerados como santos em todas as tradições litúrgicas da Igreja” (CEC, 61).

Conclusão

Abraão foi o iniciador de um grande povo, de uma grande nação. A promessa a ele feita e o pacto de aliança não se referem apenas a um reino material, mas acima de tudo a um reino espiritual. A aliança de amor entre Deus e os homens, prometida a Abraão e a seus descendentes se estende a todos os povos do mundo[17]. É por isso que Abraão é chamado de pai dos que crêem; por sua experiência de fé, ele é o pai de todos aqueles que crêem e amam a Deus. Por sua fé, Abraão é reconhecido “justo”. Justo é a pessoa que se “ajusta” no projeto de Deus que adere à sua Palavra, porque a fé não é um simples acreditar em “mitos”, histórias ou verdades acerca dos deuses.
As revelações de Deus vieram lentamente, geração após geração. A fé é responder a um chamado pessoal de Deus, uma vocação, porque toda a nossa vida é vocação. A fé é acolher Deus que quer fazer a sua história junto com os homens. É abrir o coração à vontade de Deus. É o relacionamento de amizade com Deus. Este grande legado -- a fé em um Deus único e universal -- nos foi deixado pelos patriarcas Abraão, Isaac, Jacó (Israel) e José, que acreditaram em Deus e a benção de Deus foi-lhes atribuída como justiça.

Referências
BÍBLIA de Jerusalém. SP: Paulus, 2002.
BETTENCOURT, Dom Estevão. Para Entender o Antigo Testamento.  3.ed. RJ: Agir, 1965.
CATECISCIMO DA IGREJA CATÓLICA. SP: Loyola, 2000.
LÓPEZ, Félix Garcia. O Pentateuco: introdução à leitura dos cinco primeiros livros da Bíblia. 2.ed. SP: Ave Maria, 2006.
NOVO DICIONÁRIO DE TEOLOGIA. SP: Paulus, 2009.
SCHNEIDER, Theodor (org.). Manual de Dogmática - Volume I. 4.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
TRESE, Leo J. A Fé Explicada. 5.ed. SP: Quadrante: 1990.



[1] “Quanto a mim, eis a minha aliança contigo: serás pai de uma multidão de nações; E não mais te chamarás Abrão, mas teu nome será Abrão, pois eu te faço pai de uma multidão de nações” (Gn 17,4-5). Segundo a concepção antiga, o nome de um ser não apenas o designa, mas determina a sua natureza. Mudança de nome marca, pois, mudança de destino. De fato, Abrão e Abraão parecem ser duas formas dialetais do mesmo nome e significar igualmente: “Ele é grande quanto ao seu pai, ele é de nobre linhagem.” Mas Abraão é explicado aqui pela assonância com ab hamôn, “pai de multidão”.
[2] Sara e Sarai são duas formas do mesmo nome, que significa princesa; Sara será, com efeito, mãe de reis.
[3] Gn 15,14.
[4] Gn 17,19.
[5] Gn 21,3.
[6] Gn 22,15-18.
[7] Gn 25,7-11.
[8] Gn 26,3-4.
[9] O Gênesis atribui aos Patriarcas, pastores de rebanhos, a abertura de numerosos poços.
[10] Gn 25,29-34
[11] Gn 27,24
[12] Gn 27,41.
[13] Gn 33,4.
[14] Gn 28,10-22.
[15] Gn 32,23-33.
[16] Gn 50,26.
[17] CEC, 60

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Racionalidade Econômica e a Dignidade da Pessoa



 A “Mercantilização” de Tudo e de Todos

       Determinadas atividades têm menor ou maior valorização de acordo com os incentivos ou vantagens que apresentam ao mercado. Com o surgimento da economia de mercado, não só tudo “o que é produzido é para se vender no mercado, mas também o trabalho, a terra e o próprio dinheiro. A crescente mercantilização de todas as coisas transforma a sociedade em uma sociedade de mercado” (GASDA, 2014, p. 54).
Analisando os efeitos produzidos pela racionalidade econômica sobre o trabalho, pode-se notar que lhe foi conferido um conteúdo muito restrito. A atividade produtiva foi separada de seu sentido, de suas motivações e de seu objeto para converter-se em simples meio de ganhar o salário. A satisfação do trabalho e o prazer da criatividade são eliminados em benefício das satisfações que somente o dinheiro pode comprar.
    O tempo é, também, outro importante fator no racional econômico. A invenção do relógio mecânico “tornara possível a mensuração dos períodos de trabalho e, conseqüentemente, o controle da “produtividade” [1] do trabalho assalariado” (GASDA, 2014, p. 84).  O controle do tempo é fundamental para os processos produtivos. “A racionalização desses processos passa pela organização e pela compreensão do tempo que se leva para produzir as mercadorias” (VILHENA, 2012, p. 111).
O mundo parece tão unido em assuntos econômicos, mas mostra-se fragmentando em assuntos de religião. Isso acontece porque no mercado da economia “tudo se torna mercadoria com um valor que é medido pelo dinheiro. O dinheiro é a única coisa que interliga todo o processo” (AHNER, 2009, p. 406). Ele é a primeira e até agora a única “linguagem” universal completamente bem-sucedida. “A verdade é que o dinheiro é a invenção mais extraordinariamente sutil e exata para definir o que as pessoas realmente querem” [2].



[1] Produtividade: quantidade de bens e serviços produzida em uma hora de trabalho.
[2] Nicholas Boyle. Livro Who Are We Now? Citado por ANHER, 2009, p 407.



quinta-feira, 25 de maio de 2017

A Racionalidade Econômica e a análise do custo-benefício



As Preferências do “Consumidor” e a Análise do Custo-benefício
Outro ponto importante da teoria econômica são as questões relacionadas às preferências do consumidor por bens e serviços. Muitas situações viáveis existem, mas umas são claramente preferíveis a outras, considerado o fato de que necessitam de menos recursos para que sejam obtidos os mesmos resultados. A ciência econômica se ocupa precisamente de buscar essas situações mais eficientes, que permitam maior satisfação das necessidades humanas com o menor esforço possível o que, inquestionavelmente, integra a forma de atuar racional do homem em todos os tempos.
A racionalidade econômica está igualmente presente na avaliação do custo-benefício de determinada ação ou empreendimento econômico, cuja base teórica é conhecida como o “custo de oportunidade” [1]e é fator determinante na concretização de negócios em uma sociedade. Além disso, muitas ações na vida envolvem a efetivação de pequenos ajustes adicionais a um plano de ação existente. Os economistas os denominam de “alterações marginais”. Assim, é possível notar que a tomada de decisão no campo da racionalidade econômica depende de fatores subjetivos influenciados por uma dinâmica de incentivos ou vantagens.
     Essa racionalidade é que se deve compreender. Veja o seguinte exemplo: Como a lei do cinto de segurança afeta a segurança do trânsito? O efeito direto é óbvio. Com o cinto de segurança em todos os carros, mais pessoas o utilizam e a probabilidade de sobreviver a um acidente aumenta.
    Neste sentido os cintos salvam as vidas. O impacto direto dos cintos de segurança sobre a segurança foi o que levou à edição de uma Lei exigindo a obrigatoriedade de seu uso. Contudo, para se entender o alcance efetivo desta Lei deve-se reconhecer que as pessoas alteram seu comportamento em resposta aos incentivos oferecidos. Neste caso, o comportamento relevante é a velocidade e a prudência com as quais as pessoas dirigem. Dirigir devagar e com cautela é custoso porque gasta o tempo e a energia do motorista. Ao decidirem com que nível de segurança devem dirigir, as pessoas racionais comparam o benefício marginal de uma direção segura com o seu custo marginal. Elas dirigem mais lentamente e com cautela, quando o benefício da maior segurança é alto. Isso explica porque as pessoas dirigem mais atentamente quando está chovendo.
     Veja agora como a lei do cinto de segurança afeta o cálculo de custo-benefício de um motorista racional. Os cintos de segurança tornam os acidentes menos custosos para o motorista porque reduzem a probabilidade de ferimentos ou morte. Logo, a lei do cinto de segurança reduz o benefício de se dirigir lenta e cautelosamente. As pessoas respondem aos cintos de segurança como o fariam a uma melhoria das estradas: dirigindo com mais velocidade e menos cautela. Portanto, o resultado final da Lei do cinto de segurança é um número maior de acidentes. Além disso, a redução nos cuidados ao dirigir tem um impacto adverso evidente sobre pedestres. A Lei os expõe ao risco porque eles ficam mais sujeitos a sofrer acidentes, mas não estão protegidos pelo cinto de segurança. Portanto, a legislação que obriga ao uso do cinto de segurança tende a aumentar o número de mortes de pedestres.
    Tudo isso serve para mostrar que ao analisar qualquer ação no campo econômico é preciso considerar não só os impactos diretos, mas também as conseqüências indiretas que decorrem da aplicação de vantagens ou incentivos, pois sempre irá provocar uma alteração no comportamento das pessoas.



[1] Custo de oportunidade: qualquer coisa de que se tenha de abrir mão para obter algum produto ou serviço. Muitas vezes os tomadores de decisão verificam que o benefício obtido não compensa o custo e o negócio não é efetivado.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

O Domínio da “RACIONALIDADE ECONÔMICA”




A Economia como Ciência

A economia é uma ciência que procura trabalhar a escassez. Mas, pode significar, também, uma regra de conduta de uma casa, e é este o sentido original da palavra economia: do grego oikos (casa) e nomos (regra).  Etimologicamente referia-se, pois, à administração doméstica.
Com o fim de dar-lhe sua conotação atual acrescentou-se à palavra economia o adjetivo política[1]. Dessa forma deixa-se claro que a economia política tem como objeto específico a sociedade e não o indivíduo ou a unidade familiar. A ciência econômica, também, estendeu o seu domínio à arte de bem gerir os bens.
Eis aí o grande dilema que se coloca à frente das questões econômicas. De uma ação de responsabilidade individual ou de uma unidade familiar, as questões passaram a ser de âmbito coletivo, difuso e impessoal. Assim, o conceito de “economia” passou a servir às mais diversas situações, com o intuito de designar ou explicar a realidade econômica de uma sociedade.
Além disso, o estudo das atividades econômicas obriga-nos a um rápido olhar por toda a ciência econômica, pois essas atividades representam justamente a articulação de todos os elementos necessários à criação de valor, para a satisfação, não somente das nossas necessidades, mas também, dos anseios de progresso da coletividade.
Como ciência, a economia pode ser classificada em três grandes grupos, a saber: ciência das riquezas; ciência social das relações de trocas ou do intercâmbio; e ciência da escolha racional, em face da raridade relativa dos bens econômicos. Em razão do predomínio desta última concepção, define-se a economia, em geral, como a “ciência que estuda as formas de comportamento humano resultantes da relação existente entre as ilimitadas necessidades a satisfazer e os recursos que, embora escassos, se prestam a usos alternativos”. 
A atividade econômica gira em torno do fato central de que as necessidades humanas superam largamente os bens disponíveis para satisfazê-las. Surge, portanto, a conveniência da intervenção econômica na escolha racional das necessidades prioritárias e dos meios capazes de satisfazê-las.
Nesse sentindo, o homem, como ser social, tem necessitado resolver numerosos problemas relacionados com a administração dos recursos escassos que lhe são disponíveis, seja por um presente da natureza, seja pela sua própria atividade produtiva. Cada uma dessas formas de organização econômica constitui um sistema. Desta forma, em sentido amplo, na linha de sistemas econômicos teóricos, pode-se classificar a economia em dois segmentos distintos, a saber:
a)      Economia de mercado: economia na qual o mercado determina inteiramente a atividade econômica pela livre confrontação da demanda e da oferta. Está baseada na propriedade privada e na liberdade de iniciativa e de contratos dos agentes econômicos. As decisões econômicas são tomadas com base na livre iniciativa, manifestada nos mercados de fatores, produtos, serviços e ativos.
b)      Economia planificada: economia na qual o conjunto dos mecanismos econômicos é autoritariamente regulado por um plano geral e centralizado.
O presente estudo procura situar-se dentro do pensamento econômico majoritário no ocidente, caracterizado pela economia de mercado, eis que se transformou no sistema dominante hoje em dia, especialmente depois do fracasso da economia planificada (comunismo).
A economia de mercado pressupõe um modo de organizar a atividade econômica. Primeiramente, não pode prescindir da propriedade privada de bens e fatores, que inclui os meios de produção. Em um segundo, exige a liberdade de iniciativa dos agentes econômicos e, finalmente, exige que a coordenação das atividades esteja nas mãos de instituições e mecanismos impessoais. Assim, é o mercado que canaliza as iniciativas dos sujeitos na busca de uma situação que seja satisfatória para todos.
Hoje, o sistema econômico é, sem dúvida, a maior “instituição” da sociedade civil. “Ele une mais pessoas globalmente do que qualquer outro tipo de organização”.  A consequência é que a saúde moral de uma sociedade depende em alto grau do caráter moral dos negócios econômicos e dos líderes que os conduzem.
Para se chegar no atual estágio, a sociedade humana experimentou mudanças profundas na base de sua economia e na sua estrutura social, que podem ser separadas em três etapas distintas, a seguir descritas:
a)      Na primeira grande etapa do desenvolvimento econômico, os homens passam de uma economia tribal de caça e coleta para uma economia agrícola. Esta transição começou há aproximadamente 8.000 anos e hoje está quase totalmente completa em todo mundo, exceto em algumas poucas sociedades primitivas em áreas como, por exemplo: Bacia Amazônica e Nova Guiné. 
b)      Na segunda etapa, os homens passam da economia agrícola para a economia industrial. Esta etapa teve início na Grã-Bretanha há aproximadamente 250 anos e difundiu-se pela Europa Ocidental, América do Norte e Japão no século XIX. Desde a 2ª Guerra Mundial, a industrialização tem se difundido de maneira extensiva pela Ásia e partes da América Latina.
c)      A terceira etapa da história econômica e social dos homens é a atual onde o desenvolvimento econômico está baseado no conhecimento. Este processo começou no último terço do século XX, preponderadamente nos países mais industrializados e desenvolvidos e hoje está espalhado por todo o planeta. Suas variáveis críticas e fundamentais são a informação e o conhecimento.
A partir destas colocações, verifica-se que a economia de mercado coexiste com diversas formas de organização -- política, cultural, militar, religiosa. Assim, muitas de suas características se fundem com a própria sociedade na qual está inserida e o homem, simplesmente, não consegue antever de forma clara qual o objetivo de um sistema econômico. Ele chega a acreditar, inclusive, que o fim último das ações econômicas se confunde com o seu próprio fim. 
Neste particular, podemos afirmar que a economia não é e não pode ser o fim da vida humana. Ela é sim, um instrumento fundamental para possibilitar o crescimento material e o bem-estar de um determinado grupo de pessoas com base naquilo que já existe. Quanto à capacidade de o homem criar algo do nada, vale mencionar o pensamento do filósofo inglês Chesterton [2] (1874-1936):
Deus é aquele que pode produzir algo a partir do nada. O homem é aquele que pode produzir algo a partir de qualquer coisa. Em outras palavras. Enquanto a alegria de Deus pode estar na criação ilimitada, a alegria especial do homem está na criação limitada, na combinação entre criação e limites (CHESTERTON, 2013, p. 54).
Assim, o sistema econômico não é dotado de capacidade para ser um fim em si mesmo, mas apenas um pressuposto material do desenvolvimento integral do ser humano e da natureza.  O próprio papel da atividade econômica é propiciar o desenvolvimento do indivíduo. O trabalho trabalha para as pessoas. 



[1] Do grego politikos, que significa “cívico”. O termo politikos, por sua vez, se originou a partir da palavra polites, que quer dizer “cidadão”, que se originou de polis, traduzido por “cidade”. Numa sociedade como a grega, em que a vida pública interessava a todos os cidadãos, os politikos eram aqueles que se dedicavam ao governo da polis ("a cidade” ou “o Estado"), colocando o bem comum acima de seus interesses individuais.

[2] Gilbert Keith Chesterton, conhecido como G. K. Chesterton foi um escritor, poeta, narrador, ensaísta, jornalista, historiador, biógrafo, teólogo, filósofo, desenhista e conferencista britânico. Igualmente trilhou pelo campo da economia. Nasceu na Inglaterra (Londres) em 1874 e faleceu em 1936.