Desafios
da “Nova Evangelização” e a Dimensão Social
Para a Igreja, o anúncio evangélico
não é uma tarefa a mais, entre outras possíveis, mas a tarefa essencial.
Realiza-se quando a presença cristã é anúncio e testemunho. Presente este
importante aspecto, vale o registro de que a “Nova Evangelização” como
formulação e proclamação é da década de oitenta do século passado. Aparece já em
Medellín (1969) e depois em Puebla (1979). Porém, é em 1983 que S. João Paulo
II fala pela primeira vez em “Nova Evangelização”, também em contexto
latino-americano (no Haiti em 1983 e em São Domingos em 1984).
Nesse sentido, S. João Paulo II nos
ensina que o mundo precisa de uma “Nova Evangelização” para promover a “civilização
do amor” e, no documento Sollicitudo Rei
Socialis, destaca a cultura da solidariedade como fruto dessa “Nova
Evangelização”. Ademais, elege a solidariedade, o amor e a fraternidade como
antídotos para a situação de tensões sociais, econômicas e políticas que
estamos vivendo continuamente na humanidade.
A Encíclica Redemptoris Missio, alerta-nos para os problemas da descristianização
e do surgimento de inúmeras seitas. Diante desta realidade, a “Nova
Evangelização” de alguma maneira terá que mostrar o Cristo Vivo e presente no
meio de uma sociedade que já foi cristã e que agora está se descristianizando.
Conforme o documento Christifidelis Laici,
notamos que é também objetivo da “Nova Evangelização” a formação de comunidades
eclesiais maduras, traduzidas em Igrejas autênticas onde a fé, a esperança e a
caridade tenham toda sua expressão na própria vida eclesial: não são igrejas
moribundas, mas igrejas que estejam carregadas de vitalidade. Nessa linha, o
foco da “Nova Evangelização” está dirigido a um nível global (envolve todo o
mundo em um espírito de amor e solidariedade); a um nível restrito (cuida
daqueles que progressivamente vão se afastando da igreja); e a um nível eclesial
(formação de comunidades eclesiais maduras).
Todavia, embora distintos entre si, notamos
que tais níveis estão intrinsecamente relacionados, pois se queremos construir
uma sociedade com justiça social precisamos fazer com que tanto os irmãos que
vivem dentro da Igreja, como os que dela vão se separando, voltem a encontrar a
força de Cristo. É desta forma que a “Nova Evangelização” se constitui o
elemento englobante, a ideia central e iluminadora que, na consciência atual da
Igreja, tem um significado de grande amplitude, que não deve ficar limitado ao
anúncio aos não crentes e deve abranger toda a atividade missionária da Igreja,
em todas as suas formas. Essa necessidade leva a Igreja a compreender “que sua
mensagem social encontrará credibilidade primeira no testemunho das obras e só
depois na sua coerência e lógica interna” (Centesimus
Annus, 57).
É nesse sentido que a Igreja,
através de seu magistério e de sua doutrina, aponta o caminho a seguir: renovar
nossas comunidades cristãs, nossos ambientes, a cultura, a civilização. Esta renovação
deve ser entendida com o auxílio do Concílio Vaticano II, que nos convida a
criar Igrejas renovadas e adaptadas às novas circunstâncias. Igrejas e
comunidades que resgatem sua missão evangelizadora no mundo. Pode haver pessoas
que, com um sentido muito tradicional, pense em cristãos cumpridores dos
deveres, fiéis executores de todas as obrigações, mas que se esquece de algo
muito importante: ser missionário e ser evangelizador. A vocação do cristão não
é salvar-se, mas salvar, ou, de alguma maneira, salvar-se salvando,
envangelizar-se evangelizando.
Nas palavras do Beato Paulo VI ”evangelizar
constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja a sua mais profunda
identidade” (Evangelii Nuntiandi, 14).
Neste particular, a “presença e ação do cristão no mundo” assume especial
importância, pois se refere às diversas formas de testemunho evangélico na
sociedade, a saber: promoção humana, ação social e política, ação educativa e
cultural, promoção da paz, atuação em prol da ecologia. São âmbitos de presença
nos quais a Igreja é chamada a sair do seu recinto interno e colocar-se
decididamente a serviço do Reino de Deus no mundo.
Assim, o Cristão deve ter sua
identidade revelada mais na cidade que no templo, mais na ação transformadora
do que na frequência às práticas religiosas, eis que a evangelização supõe uma
preocupação a partir do Evangelho e uma preocupação intrínseca à fé, por todos
os problemas que existem no mundo. A comunidade que somente se preocupa com
seus próprios problemas internos deixa de ser realmente, neste sentido,
comunidade plenamente cristã, porque perdeu todo o sentido de fraternidade e de
evangelização.
O chamamento está na direção da
comunhão, comprometimento e solidariedade. Não se pode estar em uma comunidade e
ignorar a situação daqueles que mais necessitam. O cristão deve ouvir a voz, a
denúncia, a esperança dos pobres e agir incessantemente no combate à opressão.
É importante que nós cristãos não nos consideremos “donos” do Evangelho. Jesus Cristo
está sempre presente em nós, e também nos outros. Jesus Cristo fala a partir do
Evangelho, dos nossos santos, do Magistério, dos teólogos, do povo simples e
humilde, mas também fala através das situações sociais. Nossas comunidades
devem ser conscientes não só da profunda dimensão teológica, mas também da
realidade histórica, cultural, social em que cada um está envolvido.
O apostolado cristão no meio social
deve ser impregnado do vigor do evangelho contaminando positivamente a
mentalidade, os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vive. O apostolado
deve mostrar coerência entre a fé e a vida para que, no campo do trabalho, da
profissão, do estudo, da moradia, da diversão ou da vida social, nos sintamos
mais capazes de ajudar os irmãos, uma vez que, “apesar de tudo, é a nossa
história. Sobre a Palavra do Senhor insistimos em privilegiar tudo aquilo que o
mundo recusou, considerando-o inútil e pouco eficiente. O doente crônico, o
moribundo, o marginalizado, o deficiente e tudo quanto exprime aos olhos do
mundo que aí não pode haver futuro nem esperança, encontram resposta na ação
dos cristãos” (FISICHELLA, 2012 pag. 81).
A salvação em Cristo não pode
apresentar-se completa se não puder assumir um humanismo integralmente
reconstruído, pois “ainda que o processo terreno deva ser distinto do aumento
do Reino de Cristo, contudo é de grande interesse para o Reino de Deus” (Gaudium Spes, 39). A fé é a luz que
ajuda a compreender o humano nas suas profundas exigências. A esperança
teologal se abre para a mesma compreensão crítica dos projetos sociais. A
caridade se inclina para a doação para o outro em todas as suas necessidades,
também terrenas. A graça faz superar o estado de pecado, que atinge toda
existência humana. A história da salvação impele em busca de um processo
cultural. O ser criatura nova em Cristo conduz a uma libertação de todo o mal e
de toda opressão. Não podemos deixar de lado a situação sociopolítica dos
homens, “em vista da conexão vital que esta tem com Cristo” (Gaudium Spes, 38). A evangelização leva
a um esforço para que as atuais condições humanas se tornem situações de
reconciliação, de paz, de justiça, de fraternidade e de amor, inspiradas no
Evangelho. O sinal de autenticidade da evangelização é que os pobres sejam evangelizados.
A evangelização leva consigo uma mensagem, especialmente vigorosa em nossos
dias sobre a libertação (Evangelii
Nutiandi, 29).
No nosso mundo, conforme nos ensina
São João Paulo II no documento Redemptoris
Missio, há uma série de valores que devem ser defendidos: o valor da
igualdade, o valor da liberdade, os grandes valores da fraternidade e da
democracia. Ao mesmo tempo, porém, nosso mundo é o lugar das vítimas. Vivemos
num mundo de contradições: grandes valores democráticos de um lado e as grandes
vítimas de nossos sistemas sociais de outro.
O tema dos pobres não é apenas um
capítulo da moral evangélica, é um capítulo da cristologia, em sentido estrito.
A evangelização libertadora, a partir da opção pelos pobres, anuncia a presença
do Reino de Deus entre nós. Mas a salvação não é condicionada por nenhuma
situação social. É para todos, também para os ricos, contando que se convertam.
Deus ama os pobres, que têm um “privilégio evangélico”, pelo fato de serem
sofredores e oprimidos. Porém, quando se trata de atitude de acolhida do Reino
de Deus, fala-se de “pobres em espírito”. Exige-se “coração de pobre”.
Segundo o Papa Francisco, a
evangelização procura também o crescimento e cada ser humano precisa sempre
mais de Cristo. Para tanto, conclama a todos a perseguir o bem comum e a paz
social. As reivindicações sociais, que têm a ver com a distribuição de renda, a
inclusão social dos pobres e os direitos humanos não podem ser sufocadas com o
pretexto de construir um consenso de escritório ou uma paz efêmera para uma
minoria feliz.
Para avançar nesta construção de um
povo em paz, justiça e fraternidade, o Papa Francisco propõe quatro princípios,
que derivam dos grandes postulados da Doutrina Social da Igreja, que constituem
o “primeiro e fundamental parâmetro de referência para a interpretação e o
exame dos fenômenos sociais”, a saber:
a) O tempo é
superior ao espaço:
este princípio permite trabalhar no longo prazo, sem obsessão pelos resultados
imediatos.
b) A unidade
prevalece sobre o conflito: deve-se aceitar e suportar o conflito, resolvê-lo
e transformá-lo no elo de um novo processo. “Felizes os pacificadores” (Mt
5,9).
c) A realidade é
mais importante que a ideia: Isto supõe evitar formas de ocultar a realidade:
os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os nominalismos
declaracionistas, os projetos mais formais que reais, os fundamentalismos
anti-históricos, a ética sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria.
d) O todo é
superior à parte:
não se deve viver demasiado obcecados por questões limitadas e particulares. É
preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará
benefícios a todos nós.
Com efeito, podemos afirmar que a “Nova
Evangelização” pretendida pela Igreja busca gerar comunidades novas,
conscientes dos graves problemas sociais, para serem agentes da transformação
do mundo, guiadas pelo Espírito Santo e conforme os ensinamentos do Concílio
Vaticano II. Somente comunidades deste tipo podem conseguir o grande objetivo
de reintegrar na Igreja os que se encontram afastados, e promover em todo o
mundo e em todas as nações aquilo que se chama de “civilização do amor”.
Referências:
- ALBERICH, Emílio. Catequese Evangelizadora: Manual de catequética fundamental. 1ª. ed. São Paulo: Salesiana, 2007.
- BRIGHENTI, Agenor. A missão evangelizadora no contexto atual: Realidades e desafios a partir da América Latina. São Paulo: Paulinas, 2006.
- CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000.
- CONCÍLIO VATINO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos e declarações. 29 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
- CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Anúncio Querigmático e Evangelização Fundamental. 1ª. Ed. Brasília: Edições CNBB, 2009.
- ... A Nova evangelização para a transmissão da fé cristã. 1ª. Ed. Brasília: Edições CNBB, 2013.
- ... Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015. 3 ed. Brasília: Edições CNBB, 2011.
- FISICHELLA, Rino. A Nova Evangelização: Um desafio para sair da indiferença. Lisboa: Paulus, 2012.
- FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. 1ª. Ed. São Paulo: Paulinas, 2013.
- JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Centesimus Annus. 7 ed. São Paulo: Paulinas, 2007.
- ... Carta Encíclica Evangelium Vitae. 7 ed. São Paulo: Paulinas, 2011.
- ... Carta Encíclica Redepmtoris Missio. 9 ed. São Paulo: Paulinas, 2008
- ... Carta Encíclica Solicitudo Rei Socialis. 6 ed. São Paulo: Paulinas, 2003
- ... Exortação Apostólica Christifideles Laici. 4 ed. São Paulo: Loyola, 1998.
- LOPES, Geraldo. Gaudium et Spes: Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2011.
- PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. 17 ed. São Paulo: Paulinas, 2004.
- ... Carta Encíclica Ecclesiam Suam. 4 ed. São Paulo: Paulinas, 2004.
- PONTIFÍCIO COSELHO ‘JUSTIÇA E PAZ’. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. 6 ed. São Paulo: Paulinas, 2010.
- SINODO DOS BISPOS: XII Assembleia Geral Ordinária “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”. 1 ed. Brasília: Edições CNBB, 2011.
Até Breve!
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