sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Nova Evangelização

Desafios da “Nova Evangelização” e a Dimensão Social


           
          Para a Igreja, o anúncio evangélico não é uma tarefa a mais, entre outras possíveis, mas a tarefa essencial. Realiza-se quando a presença cristã é anúncio e testemunho. Presente este importante aspecto, vale o registro de que a “Nova Evangelização” como formulação e proclamação é da década de oitenta do século passado. Aparece já em Medellín (1969) e depois em Puebla (1979). Porém, é em 1983 que S. João Paulo II fala pela primeira vez em “Nova Evangelização”, também em contexto latino-americano (no Haiti em 1983 e em São Domingos em 1984).

            Nesse sentido, S. João Paulo II nos ensina que o mundo precisa de uma “Nova Evangelização” para promover a “civilização do amor” e, no documento Sollicitudo Rei Socialis, destaca a cultura da solidariedade como fruto dessa “Nova Evangelização”. Ademais, elege a solidariedade, o amor e a fraternidade como antídotos para a situação de tensões sociais, econômicas e políticas que estamos vivendo continuamente na humanidade.

    A Encíclica Redemptoris Missio, alerta-nos para os problemas da descristianização e do surgimento de inúmeras seitas. Diante desta realidade, a “Nova Evangelização” de alguma maneira terá que mostrar o Cristo Vivo e presente no meio de uma sociedade que já foi cristã e que agora está se descristianizando.

     Conforme o documento Christifidelis Laici, notamos que é também objetivo da “Nova Evangelização” a formação de comunidades eclesiais maduras, traduzidas em Igrejas autênticas onde a fé, a esperança e a caridade tenham toda sua expressão na própria vida eclesial: não são igrejas moribundas, mas igrejas que estejam carregadas de vitalidade. Nessa linha, o foco da “Nova Evangelização” está dirigido a um nível global (envolve todo o mundo em um espírito de amor e solidariedade); a um nível restrito (cuida daqueles que progressivamente vão se afastando da igreja); e a um nível eclesial (formação de comunidades eclesiais maduras).

   Todavia, embora distintos entre si, notamos que tais níveis estão intrinsecamente relacionados, pois se queremos construir uma sociedade com justiça social precisamos fazer com que tanto os irmãos que vivem dentro da Igreja, como os que dela vão se separando, voltem a encontrar a força de Cristo. É desta forma que a “Nova Evangelização” se constitui o elemento englobante, a ideia central e iluminadora que, na consciência atual da Igreja, tem um significado de grande amplitude, que não deve ficar limitado ao anúncio aos não crentes e deve abranger toda a atividade missionária da Igreja, em todas as suas formas. Essa necessidade leva a Igreja a compreender “que sua mensagem social encontrará credibilidade primeira no testemunho das obras e só depois na sua coerência e lógica interna” (Centesimus Annus, 57).

        É nesse sentido que a Igreja, através de seu magistério e de sua doutrina, aponta o caminho a seguir: renovar nossas comunidades cristãs, nossos ambientes, a cultura, a civilização. Esta renovação deve ser entendida com o auxílio do Concílio Vaticano II, que nos convida a criar Igrejas renovadas e adaptadas às novas circunstâncias. Igrejas e comunidades que resgatem sua missão evangelizadora no mundo. Pode haver pessoas que, com um sentido muito tradicional, pense em cristãos cumpridores dos deveres, fiéis executores de todas as obrigações, mas que se esquece de algo muito importante: ser missionário e ser evangelizador. A vocação do cristão não é salvar-se, mas salvar, ou, de alguma maneira, salvar-se salvando, envangelizar-se evangelizando.

         Nas palavras do Beato Paulo VI ”evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja a sua mais profunda identidade” (Evangelii Nuntiandi, 14). Neste particular, a “presença e ação do cristão no mundo” assume especial importância, pois se refere às diversas formas de testemunho evangélico na sociedade, a saber: promoção humana, ação social e política, ação educativa e cultural, promoção da paz, atuação em prol da ecologia. São âmbitos de presença nos quais a Igreja é chamada a sair do seu recinto interno e colocar-se decididamente a serviço do Reino de Deus no mundo.

       Assim, o Cristão deve ter sua identidade revelada mais na cidade que no templo, mais na ação transformadora do que na frequência às práticas religiosas, eis que a evangelização supõe uma preocupação a partir do Evangelho e uma preocupação intrínseca à fé, por todos os problemas que existem no mundo. A comunidade que somente se preocupa com seus próprios problemas internos deixa de ser realmente, neste sentido, comunidade plenamente cristã, porque perdeu todo o sentido de fraternidade e de evangelização.
  
   O chamamento está na direção da comunhão, comprometimento e solidariedade. Não se pode estar em uma comunidade e ignorar a situação daqueles que mais necessitam. O cristão deve ouvir a voz, a denúncia, a esperança dos pobres e agir incessantemente no combate à opressão. É importante que nós cristãos não nos consideremos “donos” do Evangelho. Jesus Cristo está sempre presente em nós, e também nos outros. Jesus Cristo fala a partir do Evangelho, dos nossos santos, do Magistério, dos teólogos, do povo simples e humilde, mas também fala através das situações sociais. Nossas comunidades devem ser conscientes não só da profunda dimensão teológica, mas também da realidade histórica, cultural, social em que cada um está envolvido.
    
    O apostolado cristão no meio social deve ser impregnado do vigor do evangelho contaminando positivamente a mentalidade, os costumes, as leis e as estruturas da comunidade em que vive. O apostolado deve mostrar coerência entre a fé e a vida para que, no campo do trabalho, da profissão, do estudo, da moradia, da diversão ou da vida social, nos sintamos mais capazes de ajudar os irmãos, uma vez que, “apesar de tudo, é a nossa história. Sobre a Palavra do Senhor insistimos em privilegiar tudo aquilo que o mundo recusou, considerando-o inútil e pouco eficiente. O doente crônico, o moribundo, o marginalizado, o deficiente e tudo quanto exprime aos olhos do mundo que aí não pode haver futuro nem esperança, encontram resposta na ação dos cristãos” (FISICHELLA, 2012 pag. 81).

            A salvação em Cristo não pode apresentar-se completa se não puder assumir um humanismo integralmente reconstruído, pois “ainda que o processo terreno deva ser distinto do aumento do Reino de Cristo, contudo é de grande interesse para o Reino de Deus” (Gaudium Spes, 39). A fé é a luz que ajuda a compreender o humano nas suas profundas exigências. A esperança teologal se abre para a mesma compreensão crítica dos projetos sociais. A caridade se inclina para a doação para o outro em todas as suas necessidades, também terrenas. A graça faz superar o estado de pecado, que atinge toda existência humana. A história da salvação impele em busca de um processo cultural. O ser criatura nova em Cristo conduz a uma libertação de todo o mal e de toda opressão. Não podemos deixar de lado a situação sociopolítica dos homens, “em vista da conexão vital que esta tem com Cristo” (Gaudium Spes, 38). A evangelização leva a um esforço para que as atuais condições humanas se tornem situações de reconciliação, de paz, de justiça, de fraternidade e de amor, inspiradas no Evangelho. O sinal de autenticidade da evangelização é que os pobres sejam evangelizados. A evangelização leva consigo uma mensagem, especialmente vigorosa em nossos dias sobre a libertação (Evangelii Nutiandi, 29).

     No nosso mundo, conforme nos ensina São João Paulo II no documento Redemptoris Missio, há uma série de valores que devem ser defendidos: o valor da igualdade, o valor da liberdade, os grandes valores da fraternidade e da democracia. Ao mesmo tempo, porém, nosso mundo é o lugar das vítimas. Vivemos num mundo de contradições: grandes valores democráticos de um lado e as grandes vítimas de nossos sistemas sociais de outro.

      O tema dos pobres não é apenas um capítulo da moral evangélica, é um capítulo da cristologia, em sentido estrito. A evangelização libertadora, a partir da opção pelos pobres, anuncia a presença do Reino de Deus entre nós. Mas a salvação não é condicionada por nenhuma situação social. É para todos, também para os ricos, contando que se convertam. Deus ama os pobres, que têm um “privilégio evangélico”, pelo fato de serem sofredores e oprimidos. Porém, quando se trata de atitude de acolhida do Reino de Deus, fala-se de “pobres em espírito”. Exige-se “coração de pobre”.

      Segundo o Papa Francisco, a evangelização procura também o crescimento e cada ser humano precisa sempre mais de Cristo. Para tanto, conclama a todos a perseguir o bem comum e a paz social. As reivindicações sociais, que têm a ver com a distribuição de renda, a inclusão social dos pobres e os direitos humanos não podem ser sufocadas com o pretexto de construir um consenso de escritório ou uma paz efêmera para uma minoria feliz. 

        Para avançar nesta construção de um povo em paz, justiça e fraternidade, o Papa Francisco propõe quatro princípios, que derivam dos grandes postulados da Doutrina Social da Igreja, que constituem o “primeiro e fundamental parâmetro de referência para a interpretação e o exame dos fenômenos sociais”, a saber:

a)  O tempo é superior ao espaço: este princípio permite trabalhar no longo prazo, sem obsessão pelos resultados imediatos.
b)  A unidade prevalece sobre o conflito: deve-se aceitar e suportar o conflito, resolvê-lo e transformá-lo no elo de um novo processo. “Felizes os pacificadores” (Mt 5,9).
c)  A realidade é mais importante que a ideia: Isto supõe evitar formas de ocultar a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os nominalismos declaracionistas, os projetos mais formais que reais, os fundamentalismos anti-históricos, a ética sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria.
d)  O todo é superior à parte: não se deve viver demasiado obcecados por questões limitadas e particulares. É preciso alargar sempre o olhar para reconhecer um bem maior que trará benefícios a todos nós.

       Com efeito, podemos afirmar que a “Nova Evangelização” pretendida pela Igreja busca gerar comunidades novas, conscientes dos graves problemas sociais, para serem agentes da transformação do mundo, guiadas pelo Espírito Santo e conforme os ensinamentos do Concílio Vaticano II. Somente comunidades deste tipo podem conseguir o grande objetivo de reintegrar na Igreja os que se encontram afastados, e promover em todo o mundo e em todas as nações aquilo que se chama de “civilização do amor”.

 Referências:

  • ALBERICH, Emílio. Catequese Evangelizadora: Manual de catequética fundamental. 1ª. ed. São Paulo: Salesiana, 2007.
  • BRIGHENTI, Agenor. A missão evangelizadora no contexto atual: Realidades e desafios a partir da América Latina. São Paulo: Paulinas, 2006.
  • CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000.
  • CONCÍLIO VATINO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, decretos e declarações. 29 ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
  • CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Anúncio Querigmático e Evangelização Fundamental. 1ª. Ed. Brasília: Edições CNBB, 2009.
  • ... A Nova evangelização para a transmissão da fé cristã. 1ª. Ed. Brasília: Edições CNBB, 2013.
  • ... Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2011-2015. 3 ed. Brasília: Edições CNBB, 2011.
  • FISICHELLA, Rino. A Nova Evangelização: Um desafio para sair da indiferença. Lisboa: Paulus, 2012.
  • FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. 1ª. Ed. São Paulo: Paulinas, 2013.
  • JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Centesimus Annus. 7 ed. São Paulo: Paulinas, 2007.
  • ... Carta Encíclica Evangelium Vitae. 7 ed. São Paulo: Paulinas, 2011.
  • ... Carta Encíclica Redepmtoris Missio. 9 ed. São Paulo: Paulinas, 2008
  • ... Carta Encíclica Solicitudo Rei Socialis. 6 ed. São Paulo: Paulinas, 2003
  • ... Exortação Apostólica Christifideles Laici. 4 ed. São Paulo: Loyola, 1998.
  • LOPES, Geraldo. Gaudium et Spes: Texto e Comentário. São Paulo: Paulinas, 2011.
  • PAULO VI.  Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. 17 ed. São Paulo: Paulinas, 2004.
  • ... Carta Encíclica Ecclesiam Suam. 4 ed. São Paulo: Paulinas, 2004.
  • PONTIFÍCIO COSELHO ‘JUSTIÇA E PAZ’. Compêndio da Doutrina Social da Igreja. 6 ed. São Paulo: Paulinas, 2010.
  • SINODO DOS BISPOS: XII Assembleia Geral Ordinária “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”. 1 ed. Brasília: Edições CNBB, 2011.


Até Breve!


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