A atualização da Igreja e sua adaptação ao mundo moderno
(Aggiornamento)
Pretendemos mostrar um sumário das contribuições do Concílio Ecumênico
Vaticano II para a formulação de um programa de atualização da Igreja e sua
adaptação ao mundo moderno.
Um dos maiores desafios que se impõem ao cristianismo na atualidade é o de empreender um diálogo promissor com um mundo complexo e plural. O Concílio
Vaticano II, no campo católico, significou um primeiro passo de aproximação,
dotando a Igreja de importantes instrumentos doutrinários capazes de iluminar a ação evangélica na condução das urgentes e importantes questões do mundo real.
Sem ter ideias muito
precisas sobre o concílio, João XXIII[1]
lhe atribuiu dois objetivos bastante amplos: “uma adaptação (Aggiornamento) da
Igreja e do apostolado a um mundo em plena transformação e o retorno à unidade
dos cristãos, que o Papa parece planejar para prazos muito curtos, um pouco
como a parusia para os primeiros cristãos! ” (COMBY, 2001 p. 208).
Para a Igreja,
trata-se menos de lutar contra adversários que de encontrar um modo de
expressão para o mundo no qual vive e que ignora. Segundo João XXIII “É preciso
sacudir a poeira imperial” que recobre a Igreja, “sendo impossível renovar a
Igreja e fazer que ela seja o sinal de Deus para o mundo, sem querer a unidade
de todos aqueles que acreditam no mesmo Deus”[2]
Juntamente com a
abertura ao mundo, o Concílio inaugura uma nova sensibilidade nos campos
ecumênico e do diálogo inter-religioso, assumindo de maneira admirável o
otimismo salvífico, ao reconhecer tudo o que há de verdade e graça na
singularidade dos fiéis de outras religiões, bem como em suas tradições
religiosas. “O ecumenismo não foi um dos assuntos tratados ao lado de muitos
outros, mas a preocupação permanente do Concílio” (CECHINATO, 2006 p.427).
Podemos observar que
foi, de fato, o primeiro Concílio Ecumênico a tratar o tema das religiões de
modo positivo e aberto. O processo desencadeado pelo Concílio provocou uma
ruptura no “equilíbrio” anterior, o de uma “identidade católica” tridentina
firme, coesa e estável, que resistira durante longo tempo aos assédios dos
novos tempos.
Com efeito, os
debates nas diversas sessões do Concílio suscitaram na Igreja um movimento
acelerado de transformações, que envolve iniciativas nos mais diversos setores,
despertando novas energias e abrindo o leque de experiências. Quando o universo
da experiência cresce e o pluralismo se expande, o temor pela ruptura da
unidade aumenta. Diante do receio provocado pela expansão das experiências e de
suas possíveis consequências ao interno da Igreja, começam a surgir
inquietações, sobretudo a nível de cúpula, “chefiada principalmente pelo
arcebispo Marcel Lefebvre” (BETTENCOURT, 2011 p. 204).
Esse problema
decisivo na interpretação do Concílio, foi debatido no Sínodo Extraordinário de
1985, que foi convocado pelo Papa João Paulo II para avaliar os resultados do
Concílio Vaticano II, após vinte anos de experiência. Esse evento significou
uma tomada de posição decidida no conflito de interpretações do Concílio. Em
seu relatório final o Sínodo decide por uma interpretação do Vaticano II que
reforça sua continuidade com o Vaticano I e, através dele, com a contra
reforma, oficializando uma recepção do Vaticano II que não faz justiça a todas
as suas virtualidades, precisamente naquilo que elas tinham de novo e de
verdadeiramente original.
O Papa João Paulo II
retomando o desafio do Sínodo de 1985, propõe uma “nova evangelização”, capaz
de enfrentar decisivamente a contínua difusão do indiferentismo e secularismo e
refazer o tecido cristão, atingindo não somente os indivíduos, mas também as
culturas. Nesse projeto de uma nova identidade católica a dinâmica de
instauração de uma civilização mais cristã torna-se essencial. É tempo de um
dinamismo missionário mais efetivo, que supere um certo “afrouxamento” pós-conciliar.
No projeto da Nova Evangelização o anúncio explícito de Cristo torna-se
nuclear, não bastando aos fiéis permanecer no campo da propagação dos “valores
cristãos”.
Em nossa atual
conjuntura eclesial o testemunho da fé explícita e a necessidade da Igreja vêm
sendo enfatizados como contrapontos ao risco de uma compreensão da missão que
tenderia a ser substituída pelo diálogo inter-religioso, ou mesmo restrita ao
empenho da promoção humana.
No Brasil, o Concílio
Vaticano II teve pronta aplicação, usando como instrumento privilegiado o PPC
(Plano de Pastoral de Conjunto), aprovado pelos bispos brasileiros durante a
última sessão do Concílio. “O PPC deu novo impulso à colegialidade episcopal,
prática já experimentada no Brasil em anos anteriores e agora apoiada pela
doutrina do Vaticano II” (MATOS, 2011 p.191). O Plano enfatizava igualmente a
evangelização como missão principal da Igreja, reconhecendo o papel dos leigos
e dando importância específica à solidariedade com todos os homens,
particularmente os pobres. A evangelização deveria contribuir efetivamente para
mudar o sistema de opressão. “A fé, quando autêntica, relaciona-se diretamente
com a justiça social” (MATOS, 2011 p. 192).
Desta forma, podemos
concluir que, de qualquer lado que se observe, os “ventos” que sopraram do
Concílio Vaticano II continuam a ter a finalidade de querer recolocar a Igreja
no trilho principal da evangelização do mundo contemporâneo. Tanto a Lumen Gentium com a Gaudium et Spes, só para nos referir às duas constituições mais eclesiológicas,
e também a Sacrosanctum Concillium e
a Dei Verbum, não fazem outra coisa
senão exprimir a mesma idéia de fundo com a problemática subentendida: como
exercer a missão principal e prioritária do anúncio do Evangelho de modo
renovado e eficaz.
Referências:
BETTENCOURT, Estevão Tavares. Curso de
História da Igreja. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2011.
CECHINATO, Pe. Luiz. Os 20 séculos de
caminhada da Igreja: principais acontecimentos da cristandade, desde os tempos
de Jesus até João Paulo II. 6 ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1996
COMBY, Jean. A História da Igreja II: do
século XV ao século XX. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2001.
CONCÍLIO VATICANO II. COMPÊNDIO DO VATICANO
II: Constituições, decretos e declarações. 29 ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2000.
FISICHELLA, Rino. A Nova Evangelização: um
desafio para sair da indiferença. Lisboa: Paulus, 2012.
MATOS, Henrique Cristiano José. Nossa
História, 500 anos de presença da Igreja Católica no Brasil, Tomo III: Período
Imperial e Transição Republicana. 3 ed. São Paulo: Paulinas, 2011
[1][1]“João
XXIII inaugurou o Concílio do Vaticano II aos 11.10.1962; era o 21º da
história. Fora preparado desde 1959 por Comissões diversas, que elaboraram
estudos e textos a ser apresentados aos conciliares sobre os principais problemas
da Igreja daquela época... ...o Concílio decorreu em quatro fases,
respectivamente de outubro a dezembro de 1962, 1963, 1964 e 1965. Nos
intervalos entre essas fases, as Comissões de peritos trabalhavam arduamente
para atender às sugestões e às diretrizes emanadas dos padres conciliares.
Tendo João XXIII falecido em junho de 1963, foi sucedido por Paulo VI
(1963-1978), que imediatamente assumiu o encargo de levar adiante os trabalhos
conciliares em curso” (BETTENCOURT, 2011 p.203)
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