Dons
Carismáticos nas Epístolas de Paulo à comunidade de Corinto
Trata o presente
trabalho de examinar as Epístolas de Paulo aos Coríntios (I e II) sob a ótica
dos dons carismáticos do Espírito Santo que, segundo o próprio São Paulo, é uma
manifestação do Espírito em proveito do Corpo de Cristo (I Cor 12,27-30).
“A propósito dos dons
do Espírito, irmãos, não quero que estejais na ignorância”. Assim começa São
Paulo o capítulo 12 de sua primeira carta aos Coríntios com o desejo de
informá-los sobre os dons espirituais. “Quer que compreendam o que sejam e como
devem funcionar na vida da Igreja. Está preocupado porque sabe que os dons
espirituais podem ser uma fonte de força para a Igreja, tanto quanto ocasião de
problemas” (CLARK, 1983 p.5). As palavras-chave empregadas por São Paulo são: manifestação
do Espírito, para proveito comum, dom gratuito, espiritual, poder, serviço.
Em
ambas as cartas, São Paulo evidencia a dimensão renovadora e escatológica da
obra do Espírito, que visto como a fonte da vida nova e eterna comunicada por
Jesus à sua Igreja. Na primeira Carta aos Coríntios lemos que Cristo, novo
Adão, em virtude da ressurreição, Se tornou “Espírito vivificante” (I Cor
15,45-46). Isto é, foi transformado pela força vital do Espírito de Deus de
maneira que Se tornou, por Sua vez, princípio de vida nova para os crentes.
“Cristo comunica esta vida precisamente através da efusão do Espírito Santo”
(AQUINO, 2003, p.12).
O
crente como indivíduo e a Igreja como um todo, são o templo do espírito, que os
habita (I Cor 3,16; 6,19; 8,11). A posse atual do espírito é um penhor (II Cor
1,22; 5,5) da salvação escatológica do cristão. O espírito torna o cristão
capaz de orar (I Cor 12,3). E o efeito característico do espírito são os “dons”
como a profecia e as línguas (ICor 12 e 14). Estas e semelhantes manifestações
são um testemunho do Cristo ressuscitado e certeza da esperança cristã (I Cor
14,14-16).
O espírito é uma força da fé; ele revela e
perscruta “as profundezas de Deus”, seus atos salvíficos, que são conhecidos
pelo cristão somente pelo espírito que ele possui (I Cor 2,10-16), por isso ele
é chamado espírito de fé (II Cor 4,13). Quando falamos em dons carismáticos,
falamos de graças de Deus e da ação divina na Igreja e em nossas vidas. Se a
Igreja nasce de Deus e é manifestada no mundo aos homens na pessoa e na missão
de Jesus, edificada sobre os apóstolos, ela é também vivificada pelo Espírito Santo,
enviado no Pentecostes, a fim de santificar a Igreja e adorná-la com seus
frutos (I Cor 12, 4-7). É do Espírito Santo que a Igreja recebe seus carismas
conforme lhe apraz. Espírito e carisma pertencem à Igreja unicamente porque ela
os recebeu como dons gratuitos do Pai por Jesus Cristo. Por conseguinte, os
carismas, como todos os outros dons espirituais, são a manifestação de uma
única realidade: a vida abundante do Espírito, pois os dons não são separáveis
do Doador. O Espírito Santo é o dom por excelência.
Os
carismas são graças, isto é, são manifestações de Deus em nós; são ação
criadora de Deus presente e atuante no homem. São dados a nós como dons
gratuitos, não dependendo de méritos nem esforços humanos, como dons
espirituais, que provêm do Espírito Santo, que consistem em um poder,
capacidade para realizar algo, e cuja finalidade é um serviço em favor da
comunidade cristã.
O
espírito aparece também em Paulo como sede da consciência e das funções
psíquicas (I Cor 7,34; 2 Cor 7,11), equivale à alma (I Cor 16,18; II Cor 2,13).
O Espírito Santo habita na Igreja não como um hóspede que, em todo o caso,
permanece estranho, mas como a alma que transforma a comunidade em “templo
santo de Deus” (I Cor 3,17; 6,19). À parte os diversos elementos descritos por
São Paulo, é necessário sublinhar o critério que há de reger qualquer
participação dentro da comunidade: que “tudo se faça com decoro e com ordem” (I
Cor, 14,40).
Os dons efusos do Espírito Santo são
dons extraordinários dados pelo Espírito aos batizados, são também conhecidos
como dons de serviço, pois servem para a evangelização e o pastoreio da Igreja.
São “Carismas”. São concedidos para a
edificação do Corpo de Cristo, a saber:
- Dom de falar em Línguas: O dom de
línguas é um dom de oração. Este dom vem socorrer a nossa dificuldade de
orar: nós não sabemos “o que” nem “como” pedir a Deus ou o que dizer a
Deus. Ele vem suprir nossa oração fraca e débil, vem nos fazer orar, mas
orar segundo a vontade de Deus. O próprio Espírito Santo que habita em
nós, ora em nós e por nós. Vem nos capacitar a orar de forma divina. Concede
aos fiéis o dom de “cantar” em línguas. “Cantarei com o Espírito” (I Cor
14,14). Isto significa que o Espírito Santo através do dom de línguas,
utiliza-nos para elevarmos um canto ao nosso Deus, levando-nos a
expressar-lhe um louvor no Espírito a Deus. O Espírito nos capacita a
glorificar o Senhor de maneira profunda, sincera e perfeita. Nesse louvor
no Espírito, unimo-nos aos anjos e santos, que não cessam de, no céu,
louvar o Senhor. O dom de línguas também se manifesta através de “falar”
em línguas, que significa proclamar uma mensagem de Deus a um grupo ou
assembléia de oração, através de línguas estranhas.
- Dom de Interpretação das Línguas: “… a outros,
por fim, a interpretação das línguas” (I Cor 12,10). Ao proclamarmos uma
mensagem de Deus em línguas é necessário suplicarmos o dom de interpretar-la,
pois toda mensagem de Deus para o seu povo tem o objetivo de edificá-lo. E
ao proferirmos palavras ininteligíveis, como se compreenderá o que
dizemos? Seremos como quem fala ao vento (I Cor 14,9). O Espírito Santo
concede que se compreenda o que está sendo dito em línguas. Esta
compreensão se dá com o “coração”, e não através de uma tradução
conceitual e gramatical das palavras. Este carisma pode ser dado tanto à
pessoa que está orando ou falando em línguas, quanto a outra pessoa que
está participando do grupo de oração. “Aquele que tem o dom de falar em
línguas reze para ter o dom de interpretá-las (I Cor 14,13).
- Dom de Profecia: Deus se
manifesta aos homens também através do dom da profecia. São Paulo
considera o dom da profecia superior a todos os outros dons (I Cor 14,13),
pois reconhece que através deste dom, Deus fala claramente e de forma
simples, mas direta, com o homem (I Cor 14,5). O dom da profecia é para
todos os homens de boa vontade e de fé que querem recebê-lo (I Cor 14,30).
- Dom de Ciência: A palavra de
ciência é o dom através do qual o Senhor faz com que o homem entenda as
coisas da maneira que ele entende; faz com que o homem penetre na raiz de
cada acontecimento, fato, situação, estado de espírito. Portanto, através
deste dom o Senhor dá um diagnóstico de um fato, uma situação, um estado
de espírito… e do que Ele quiser revelar (I Cor 12,8).
- Dom da Sabedoria: “A um é dada
pelo Espírito uma palavra de sabedoria” (I Cor 12,8). A palavra de
sabedoria inspira o homem a conhecer como deve ser seu comportamento em
cada situação, em cada vez que tem que resolver um fato ou um problema, a
falar inteligentemente em situações concretas da sua vida ou de sua
comunidade, levando-o a decidir acertadamente e de acordo com a vontade de
Deus.
- Dom carismático da Fé: “a outros é
dado pelo Espírito, a fé” (I Cor 12,9). O carisma da fé é uma graça
especial que nos dá a certeza de que Deus agirá, de que o poder de Deus
irá intervir em alguma situação da vida do homem confirmando nossa ação e
oração com o sinal que lhe pedimos. É uma graça à qual devemos nos abrir e
pedir a Deus. Pela fé carismática cremos que Deus opera hoje maravilhas em
favor do seu povo. A fé move a manifestação do poder de Deus.
- Dom dos Milagres: “a um é dado
pelo Espírito o dom de milagres” (I Cor 12,10). O dom de milagres é a ação
do Espírito Santo que, para o bem de alguém, modifica o curso normal da
natureza. O milagre é uma intervenção clara, sensível e visível de Deus no
decurso “ordinário” ou “normal” dos acontecimentos: curas instantâneas de
doenças incuráveis, ressurreição dos mortos, fenômenos extraordinários da
natureza.
- Dom das Curas: “a outro, a
graça de curar as doenças no mesmo Espírito” (I Cor 12,9). O dom das curas
pode se manifestar de três formas. Tomando-se por base as três dimensões
do homem: corpo, alma e espírito, compreendemos que este mesmo homem pode
ser atingido por enfermidades em suas três dimensões. Existem os males
físicos, os da alma ou interiores e espirituais. Se somos atingidos em
qualquer área interior, necessitamos de uma cura interior. Se somos
atingidos em nosso espírito, contaminando-nos com falsas doutrinas e
apartando-nos sã doutrina da salvação, precisamos de uma cura espiritual
ou libertação. Se somos atingidos no corpo com alguma enfermidade,
necessitamos de uma cura física.
- Dom do discernimento dos Espíritos: “A outro é
dado pelo Espírito o discernimento dos espíritos” (I Cor 12,10). Este dom
nos permite discernir, examinar, perceber e identificar em nós mesmos, nas
outras pessoas, nas comunidades, nos ambientes e nos objetos o que é de
Deus ou o que é da natureza humana, ou ainda, o que é do maligno.
Ao
falar dos dons espirituais, São Paulo nos dá uma relação do tipo de dons que
tem em mente. “Há outras listas de dons espirituais, no Novo Testamento, mas
não são os mesmos relacionados em I Cor 12,4-11, donde se conclui que São Paulo
não estava tentando dar uma relação completa de todos os dons espirituais. Dá-nos
exemplos suficientes destes para que possamos entender de que está falando”
(CLARK, 1983 p. 11)
Podemos depreender que Carisma é uma
manifestação do Espírito em proveito do Corpo de Cristo. Mais especialmente, é
um dom gratuito (logo não depende de méritos nem de esforços humanos),
espiritual (isto é, do Espírito Santo que atua em nosso espírito), que consiste
em um poder (ou capacidade de realizar algo) e cuja finalidade é um serviço em
favor da comunidade cristã. É difícil saber o que Paulo escreveria para a
Igreja de hoje. Ele não queria que os Coríntios permanecessem ignorantes, mas
poucos católicos, hoje, sabem alguma coisa sobre aquilo que Paulo queria que os
Coríntios soubessem. São poucos os que compreendem o que são os dons
espirituais e qual o seu lugar na vida da Igreja, razão pela qual se torna mais
importante compreender o significado e o lugar dessas “manifestações do
Espírito” na vida da Igreja.
Referências
ALDUNATE, CARLOS. Carismas, Ciência e
Espíritos. 2ed. São Paulo: Loyola, 1981.
AQUINO, FELIPE. O Espírito Santo: Papa João
Paulo II. Lorena, SP: Cléofas, 2003.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus,
2010.
BÍBLIA DO PEREGRINO. 3 ed. São Paulo:
Paulus,2011.
CHAVE BÍBLICA CATÓLICA. Organizado pela
Equipe Editorial Ave-Maria. São Paulo: Ave-Maria, 2012.
CLARK. STEPHEN B. Os Dons Espirituais. 5ed.
São Paulo, Loyola, 1983.
FLORES, JOSÉ H. PRADO. As Reuniões de
Oração: como prepará-las e dirigi-las. São Paulo, Loyola, 1978.
McKENZIE, JOHN L. Dicionário Bíblico. São
Paulo: Paulus, 1984
Boa Leitura
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