quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Pai de um grande povo: Abraão

 


                                             Pai de um grande povo: Abraão

Ao ler a história do Patriarca Abraão no livro do Genesis notaremos que, embora sua vida não tenha sido tranquila, ele tinha, porém, a grande vantagem de ter Deus bem por perto. Sua caminhada foi repleta de testemunhos de fé e isso, por si só, o transforma em uma personagem cheia de peculiaridades que merecem ser realçadas, sobretudo o seu estreito relacionamento com Deus, as ricas características de sua pessoa, além de inúmeras contribuições doutrinárias.

Na dimensão histórica, temos que Abraão é um descendente de Sem e em obediência ao chamado de Deus, deixou sua terra e foi em direção à Terra Prometida. Esta obediência implicava grandes sacrifícios, mas a sua fé era ainda maior. Pôs-se em viagem, deixou sua pátria e suas propriedades e chegou à terra de Canaã. Caminhou por Siquem, Hebron, Betel e Bersabé. Andou também pelo Egito.

Algumas características da personalidade de Abrão, modelo de fé, levaram-no a uma conversão total implicando transformação de sua própria vida. A narração bíblica de sua   vocação mostra-nos um homem temente e obediente a Deus e que nem as condições de limites físicos e emocionais o levaram a desacreditar na vontade do Senhor. Diante da sua adiantada idade, com mais de cem anos, e tendo presente a condição de esterilidade de sua esposa, demonstrou personalidade decidida e buscou fazer a sua parte e não ficar de braços cruzados na espera da realização das promessas. Adotou como filho um servo, mas foi-lhe dirigida pelo Senhor a palavra de que “não será esse o seu herdeiro, mas alguém saído de seu sangue” (Gn 15,14). A fé de Abraão é a confiança numa promessa humana irrealizável.

Por conselho de sua mulher, Sara, Abraão se uniu a uma escrava, Agar, que deu à luz a Ismael. Fez isto porque era costume na época considerar filho da esposa o filho da escrava da esposa, quando ela consentia. Também desta vez Deus se manifestou dizendo que a sua descendência proviria dele e de Sarai (Gn 17,19). Abraão ficou agora sem saber, mas acreditou e esperou. No entanto, Abrão e Sara envelheciam. Um dia, enquanto estava acampado em Mambré, apareceram três anjos sob a forma humana e lhe anunciaram o nascimento de um filho, o que aconteceu um ano depois. O filho foi chamado de Isaac (Gn 21,3). O significado do nome é “filho da alegria”.

Tudo parecia resolvido, mas a fé de Abraão deveria ser ainda duramente provada. O filho cresceu com saúde e se tornou adolescente. Deus mando que lhe imolasse Isaac no monte Moriá. Sem duvidar mais uma vez, Abraão passou na prova da fé e da obediência. No último momento Deus impediu o sacrifício. No último momento Deus impediu que o sacrifício fosse consumado e renovou todas as promessas a Abraão (Gn 22,15-18).

Que sentido pode-se tirar desse episódio? Deus é o Deus da vida e não da morte. O testemunho dado por Abraão de obedecer fielmente à vontade de Deus denotou sua disposição sempre viva de fazer o que Deus lhe ordenasse, mesmo que lhe custasse a vida de seu único e tão desejado filho. Abrão morreu aos 175 anos de idade e foi sepultado numa gruta que ele comprou de um heteu e sem tem um palmo de terra de sua propriedade. Deus lhe tinha prometido que seria pai de uma grande nação numa Terra Prometida. A promessa de Deus se cumpriu na sua descendência (Gn 25,7-11).

Do ponto de vista concreto “em nenhuma narrativa do Gênesis figura alguma histórica mencionada pode ser identificada. Tampouco nenhum antepassado hebreu mencionado foi revelado ainda em nenhuma inscrição contemporânea” (BRIGHT 2010). Se por um lado a arqueologia ainda não provou que as histórias dos patriarcas aconteceram exatamente como a Bíblia as narra, de outro lado não apareceu ainda nenhuma evidência que contradiga algum item da tradição judaica.

A história daquela época nos diz que era muito grande o movimento migratório de povos naquela região e que, também, muitas tribos saíram de suas terras, com seus “deuses” próprios buscando vida melhor. O que Abrão tinha então de especial? Abraão buscava o ideal da vida, o valor absoluto dentro da sua religiosidade. Enquanto outros buscavam, sem pensar em religiosidade, apenas para fazer o que é mais justo e correto, Abraão o fazia buscando seguir a Deus, o valor absoluto.

E foi assim que Deus entrou na vida de Abraão, como entra na nossa também. É na hora em que ele buscava ser homem verdadeiro, realizar seu ideal, sendo fiel consigo mesmo e com os outros. “A vida de Abraão se apresenta como um itinerário singular com uma dupla dimensão: geográfica e espiritual” (LOPEZ 2006), começa com a saída de Ur (Ex 11,31) e termina com sepultamento em Macpela (Ex 25,9). Do ponto de vista espiritual, começa com um mandato e algumas promessas de Javé (Ex 12,1-3) e culmina num outro mandato e com novas promessas divinas (Ex 22,1-19). A primeira e a última palavra são de Deus, que transforma num itinerário espiritual extraordinário o que poderia ter sido um simples itinerário geográfico.

A história narrada nas Sagradas Escrituras mostra-nos um homem de carne e osso que procura acertar na vida e que nesse esforço encontra o Deus verdadeiro. A entrada de Deus em sua vida foi silenciosa, mas intensa. Abrão aceitou as condições de Deus e caminhou na fé.

A promessa de Deus a Abrão abrangeu três aspectos, a saber:

a)        Terra: Deus promete a Abraão uma nova terra é a segurança. Emprego, moradia, solo, estabilidade. Da terra se tira todo o sustento, se estabelecem as famílias, se garante a sobrevivência.

b)      Nação: Deus promete a Abraão uma descendência mais numerosa do que as estrelas do céu! Abraão seria o pai de um povo, com sua cidadania, pertença, identidade pessoal. Um povo de filhos, descendentes por laços afetivos, famílias, grupos, comunidades, organizações.

c)      Benção: Em Abrão serão abençoadas todas as famílias da terra, toda a humanidade com a garantia de Deus, na vida Plena, na paz e na prosperidade. A bênção é a própria realização, felicidade e sentido da vida.

As atitudes firmes de Abraão transformaram-se em ensinamentos doutrinários que propugnavam a crença em um único Deus e passaram para dentro do sangue Hebreu dando características singulares ao culto que este povo prestava ao Senhor, com influências decisivas na estrutura e na fé do povo hebreu que, em virtude disso, assumiu em seus cultos uma feição mais profunda. Havia entre o povo, igualmente, um sentimento de solidariedade tribal, de solidariedade entre o povo de Deus, que contribuiu para este senso intensamente forte de “povo”.

Além disso, a ideia de promessa e aliança estava arraigada na mente dos Hebreus. “Embora continuem existindo muitos hiatos é possível estabelecer a confiança de que o quadro dos patriarcas apresentado pela Bíblia está profundamente fundamentado na história” (BRIGHT 2010).

Abraão é o Pai de um grande povo. Com ele, começou a busca incessante do cumprimento da promessa, a qual, embora realizada pela posse da Terra e da posteridade, não podia ser satisfeita só por estes dons, mas, como um dedo apontado através de todo o Antigo Testamento que conduz a humanidade à cidade “da qual Deus é arquiteto e construtor” (Hb 11,10). Ele acreditou e por isso pôs-se a caminho. Assim, somos também convidados a “sermos! Abraão, buscando caminhar com sinceridade de vida para encontrar a Deus; vivendo uma atitude de abandono absoluto e confiança plena em Deus através da fé e da obediência na certeza de que quem caminha por esta estrada descobrirá o rosto de Deus na vida. Não é, portanto, sem sólida razão histórica que os cristãos e os judeus o consideram como pai de toda a fé (Gn 15,6; Rm 4,3; Hb 11,8-10).

 

Referências para aprofundamento do tema:

Bíblia de Jerusalém

Dom Estevão Bittencourt: Livro Para Entender o Antigo Testamento

John Bright: Livro História de Israel

Catecismo da Igreja Católica

Wilfrid J. Harrington: Livro Chave para a Bíblia: A revelação, A promessa, A realização.

 

 


sexta-feira, 4 de outubro de 2024


 

Educação Católica - Documento de Aparecida

Descobrindo ou integrando a dimensão religiosa e transcendente


        O Documento de Aparecida, ao abordar a Educação Católica, diz " A Igreja é chamada a promover em suas escolas uma educação centrada na pessoa humana que é capaz de viver na comunidade oferecendo a esta o bem que a Igreja possui. Diante do fato de que muitos se encontram excluídos, a Igreja deverá estimular uma educação de qualidade para todos, formal e não formal, especialmente para os mais pobres. Educação que ofereça às crianças, aos jovens e aos adultos o encontro com valores culturais do próprio país, descobrindo ou integrando neles a dimensão religiosa e transcendente" (DA no.  334).

    A missão que, com grande esperança, a Igreja confia à educação reveste-se de um significado cultural e religioso de importância vital, pois diz respeito ao futuro da própria  humanidade. A renovação no modo de pensar a educação irá tornar os agentes da sociedade, envolvidos com atitudes cristãs, capazes de corresponder ao carisma e a missão que lhes foram confiadas para atuarem como discípulos e missionários de Jesus Cristo e, com coragem, corresponderem ao dever de levar a mensagem do Evangelho aos vários cantos do mundo. Ai de mim se não pregar o Evangelho (1 Cor 9,16).

         A ação salvífica da Igreja, sobre as diversas culturas existentes, realiza-se, antes de tudo, por intermédio das pessoas, das famílias e dos educadores. Assim, a todos que pertencem ao Corpo místico de Cristo. Portanto, é crucial que todos e cada um de nós tomemos consciência desta importante missão, auxiliados pelos ensinamentos do documento de Aparecida. Juntos devemos atuar para que a força do Evangelho penetre e regenere as mentalidades e os valores destrutivos dominantes e que inspiram cada uma da culturas e são contrários ao plano de amor de Deus para a humanidade. 

         Sabemos que a educação está inserida em um contexto de dificuldades, mas a esperança nos move a vencê-las (Rm 15,13), sobretudo em razão da importância, urgência e necessidade da causa maior da evangelização. Nossa amada Igreja e o mundo têm grande necessidade do testemunho de bons e comprometidos educadores, com suas contribuições competentes, livres e reesposáveis. "Não vos chamo  servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor, mas chamei-vos amigos, pois tudo quanto ouvi do Pai vos dei a conhecer" (Jo 15,15).

          São muitos os espaços onde podemos e devemos entrar no debate, a saber:

          I - Nos excessos da vida técnica voltada para o sucesso. É um drama humano e precisamos superar o medo e ter coragem para pensar além do pão terrestre.

                 II - A racionalidade, que nos permita trabalhar a indagação acerca do princípio e o fim último das coisas, pois a razão humana é escatológica por natureza, ou encontra Deus ou encontra o vazio.

               III - A riqueza e o patrimônio do Magistério da Igreja e sua identidade milenar para além do senso comum contemporâneo.

           Podemos afirmar que o zelo pastoral da nossa amada Igreja em todo este contexto está relacionado com o respeito à diversidade e direitos das minorias e na busca da emancipação da pessoa humana no plano intelectual, ético, social e espiritual. Não podemos nos esquecer de que o fator espiritual é uma tendência natural do ser humano, na busca da transcendência, sobretudo quando a pessoa toma consciência da fragilidade de sua própria existência.


Referência: Documento de Aparecida