Pai de um grande povo: Abraão
Ao ler a história do Patriarca Abraão no livro
do Genesis notaremos que, embora sua vida não tenha sido tranquila, ele tinha,
porém, a grande vantagem de ter Deus bem por perto. Sua caminhada foi repleta
de testemunhos de fé e isso, por si só, o transforma em uma personagem cheia de
peculiaridades que merecem ser realçadas, sobretudo o seu estreito
relacionamento com Deus, as ricas características de sua pessoa, além de
inúmeras contribuições doutrinárias.
Na dimensão histórica, temos que
Abraão é um descendente de Sem e em obediência ao chamado de Deus, deixou sua
terra e foi em direção à Terra Prometida. Esta obediência implicava grandes
sacrifícios, mas a sua fé era ainda maior. Pôs-se em viagem, deixou sua pátria
e suas propriedades e chegou à terra de Canaã. Caminhou por Siquem, Hebron,
Betel e Bersabé. Andou também pelo Egito.
Algumas características da
personalidade de Abrão, modelo de fé, levaram-no a uma conversão total
implicando transformação de sua própria vida. A narração bíblica de sua vocação
mostra-nos um homem temente e obediente a Deus e que nem as condições de
limites físicos e emocionais o levaram a desacreditar na vontade do Senhor.
Diante da sua adiantada idade, com mais de cem anos, e tendo presente a
condição de esterilidade de sua esposa, demonstrou personalidade decidida e
buscou fazer a sua parte e não ficar de braços cruzados na espera da realização
das promessas. Adotou como filho um servo, mas foi-lhe dirigida pelo Senhor a
palavra de que “não será esse o seu herdeiro, mas alguém saído de seu sangue”
(Gn 15,14). A fé de Abraão é a confiança numa promessa humana irrealizável.
Por conselho de sua mulher, Sara,
Abraão se uniu a uma escrava, Agar, que deu à luz a Ismael. Fez isto porque era
costume na época considerar filho da esposa o filho da escrava da esposa,
quando ela consentia. Também desta vez Deus se manifestou dizendo que a sua
descendência proviria dele e de Sarai (Gn 17,19). Abraão ficou agora sem saber,
mas acreditou e esperou. No entanto, Abrão e Sara envelheciam. Um dia, enquanto
estava acampado em Mambré, apareceram três anjos sob a forma humana e lhe
anunciaram o nascimento de um filho, o que aconteceu um ano depois. O filho foi
chamado de Isaac (Gn 21,3). O significado do nome é “filho da alegria”.
Tudo parecia resolvido, mas a fé
de Abraão deveria ser ainda duramente provada. O filho cresceu com saúde e se
tornou adolescente. Deus mando que lhe imolasse Isaac no monte Moriá. Sem
duvidar mais uma vez, Abraão passou na prova da fé e da obediência. No último
momento Deus impediu o sacrifício. No último momento Deus impediu que o
sacrifício fosse consumado e renovou todas as promessas a Abraão (Gn 22,15-18).
Que sentido pode-se tirar desse
episódio? Deus é o Deus da vida e não da morte. O testemunho dado por Abraão de
obedecer fielmente à vontade de Deus denotou sua disposição sempre viva de
fazer o que Deus lhe ordenasse, mesmo que lhe custasse a vida de seu único e
tão desejado filho. Abrão morreu aos 175 anos de idade e foi sepultado numa
gruta que ele comprou de um heteu e sem tem um palmo de terra de sua
propriedade. Deus lhe tinha prometido que seria pai de uma grande nação numa
Terra Prometida. A promessa de Deus se cumpriu na sua descendência (Gn
25,7-11).
Do ponto de vista concreto “em nenhuma narrativa do Gênesis figura alguma histórica mencionada pode ser identificada. Tampouco nenhum antepassado hebreu mencionado foi revelado ainda em nenhuma inscrição contemporânea” (BRIGHT 2010). Se por um lado a arqueologia ainda não provou que as histórias dos patriarcas aconteceram exatamente como a Bíblia as narra, de outro lado não apareceu ainda nenhuma evidência que contradiga algum item da tradição judaica.
A história daquela época nos diz
que era muito grande o movimento migratório de povos naquela região e que,
também, muitas tribos saíram de suas terras, com seus “deuses” próprios
buscando vida melhor. O que Abrão tinha então de especial? Abraão buscava o ideal
da vida, o valor absoluto dentro da sua religiosidade. Enquanto outros
buscavam, sem pensar em religiosidade, apenas para fazer o que é mais justo e
correto, Abraão o fazia buscando seguir a Deus, o valor absoluto.
E foi assim que Deus entrou na
vida de Abraão, como entra na nossa também. É na hora em que ele buscava ser
homem verdadeiro, realizar seu ideal, sendo fiel consigo mesmo e com os outros.
“A vida de Abraão se apresenta como um itinerário singular com uma dupla
dimensão: geográfica e espiritual” (LOPEZ 2006), começa com a saída de Ur (Ex
11,31) e termina com sepultamento em Macpela (Ex 25,9). Do ponto de vista
espiritual, começa com um mandato e algumas promessas de Javé (Ex 12,1-3) e
culmina num outro mandato e com novas promessas divinas (Ex 22,1-19). A
primeira e a última palavra são de Deus, que transforma num itinerário
espiritual extraordinário o que poderia ter sido um simples itinerário geográfico.
A história narrada nas Sagradas
Escrituras mostra-nos um homem de carne e osso que procura acertar na vida e
que nesse esforço encontra o Deus verdadeiro. A entrada de Deus em sua vida foi
silenciosa, mas intensa. Abrão aceitou as condições de Deus e caminhou na fé.
A promessa de Deus a Abrão
abrangeu três aspectos, a saber:
a) Terra:
Deus promete a Abraão uma nova terra é a segurança. Emprego, moradia, solo,
estabilidade. Da terra se tira todo o sustento, se estabelecem as famílias, se
garante a sobrevivência.
b) Nação:
Deus promete a Abraão uma descendência mais numerosa do que as estrelas do céu!
Abraão seria o pai de um povo, com sua cidadania, pertença, identidade pessoal.
Um povo de filhos, descendentes por laços afetivos, famílias, grupos,
comunidades, organizações.
c) Benção:
Em Abrão serão abençoadas todas as famílias da terra, toda a humanidade com a
garantia de Deus, na vida Plena, na paz e na prosperidade. A bênção é a própria
realização, felicidade e sentido da vida.
As atitudes firmes de Abraão
transformaram-se em ensinamentos doutrinários que propugnavam a crença em um
único Deus e passaram para dentro do sangue Hebreu dando características singulares
ao culto que este povo prestava ao Senhor, com influências decisivas na
estrutura e na fé do povo hebreu que, em virtude disso, assumiu em seus cultos
uma feição mais profunda. Havia entre o povo, igualmente, um sentimento de solidariedade
tribal, de solidariedade entre o povo de Deus, que contribuiu para este senso
intensamente forte de “povo”.
Além disso, a ideia de promessa e
aliança estava arraigada na mente dos Hebreus. “Embora continuem existindo
muitos hiatos é possível estabelecer a confiança de que o quadro dos patriarcas
apresentado pela Bíblia está profundamente fundamentado na história” (BRIGHT
2010).
Abraão é o Pai de um grande povo.
Com ele, começou a busca incessante do cumprimento da promessa, a qual, embora
realizada pela posse da Terra e da posteridade, não podia ser satisfeita só por
estes dons, mas, como um dedo apontado através de todo o Antigo Testamento que
conduz a humanidade à cidade “da qual Deus é arquiteto e construtor” (Hb
11,10). Ele acreditou e por isso pôs-se a caminho. Assim, somos também
convidados a “sermos! Abraão, buscando caminhar com sinceridade de vida para
encontrar a Deus; vivendo uma atitude de abandono absoluto e confiança plena em
Deus através da fé e da obediência na certeza de que quem caminha por esta
estrada descobrirá o rosto de Deus na vida. Não é, portanto, sem sólida razão
histórica que os cristãos e os judeus o consideram como pai de toda a fé (Gn
15,6; Rm 4,3; Hb 11,8-10).
Referências para aprofundamento do
tema:
Bíblia de Jerusalém
Dom Estevão Bittencourt: Livro Para
Entender o Antigo Testamento
John Bright: Livro História de
Israel
Catecismo da Igreja Católica
Wilfrid J. Harrington: Livro Chave
para a Bíblia: A revelação, A promessa, A realização.