Epístola de São Tiago
“A carta de Tiago é um
dos escritos mais surpreendentes e singulares do Novo Testamento” (TUÑÍ, 2007,
p.263). O escopo da epístola foi animar os fiéis a sofrer com paciência as
perseguições que lhes faziam os judeus e gentios, e recomendar o exercício das
virtudes a pratica das boas obras, que os hereges diziam desnecessárias para a
salvação.
Numa comparação com os
escritos de São Paulo, podemos afirmar que o público destinatário era diferente.
Em São Paulo temos que se dirigia a judeu-cristãos que viam na sua vocação ao
cristianismo, não um benefício gratuito de Deus, mas um prêmio devido a seu
título de filhos de Abraão. Assim, São Paulo mostra-lhes que, para eles como
para os cristãos vindos da gentilidade, a vocação à fé é um dom, inteiramente
gratuito, e que sua conduta anterior não lhes dava nenhum direito a este, nem a
obediência dos ritos legais poderia justifica-los diante de Deus, porém só
Jesus Cristo, mediante a fé e a aceitação teórica e prática de seu Evangelho.
Já São Tiago dirige-se a leitores que já tem fé, e lhes diz que, justificados
já pela fé, não podem conservar ou desenvolver em si a justificação que
receberam, senão acompanhando a sua fé com a prática das obras prescritas pela
Lei de Deus.
O apóstolo Tiago escreve
ao modo oriental, por sentenças, que muitas vezes não tem entre si uma exata
ligação, como são os Provérbios de Salomão e de Jesus, filho de Sirac.O grego
utilizado por Tiago é o grego da Koiné,
“mesmo que contenha alguns semitismos, é excelente, superado somente pela
Cartas aos Hebreus no Novo Testamento (TUÑÍ, 2007, p. 265). Não se pode
precisar o tempo em que foi escrita, porém ela não é anterior ao ano de 51, no
qual terminou a primeira excursão apostólica de São Paulo, pois só depois disso
é crível houvesse fora da Palestina tantos judeus convertidos, como o endereço
da epístola supõe; e não é também posterior ao ano 64, porque foi nesse ano que
São Tiago, acusado pelos fariseus de haver transgredido a lei, morreu
apedrejado.
O autor, sem nenhuma
dúvida, é cristão: se Jesus é pouco citado, o eco do seu ensinamento se faz
ouvir, às vezes, “em formas literárias muito parecidas com as dos Evangelhos”
(CARREZ, 2008, p. 289). Mas não se consegue identificar o autor da carta com
algum dos Tiagos conhecidos no Novo Testamento. Mas isso não exclui a
possibilidade de atribuição a Tiago, irmão do Senhor, e chefe da Igreja de
Jerusalém, o qual gozava de prestígio bastante grande para poder dirigir-se a
todos os cristãos de origem judaica. A identificação precisa do autor desta
epístola não tem muita importância, “ela foi aceita pelas Igrejas como
Escritura, e isto é o essencial” (CARREZ, 2008, p. 293)
Podemos separar a
epístola em três grupos de objetivos distintos, a saber:
A.
Instrução (Tg 1): Começa por
instruir sobre a utilidade das provações, a origem do bem e do mal, e
fecundidade da palavra de Deus.
B.
Repreensão (Tg 2-5,7): Repreende
seus leitores pelos abusos e erros que reinavam entre eles por causa da sua
parcialidade e acepção de pessoas, relativamente à falsa doutrina que se
espalhava acerca da justificação e pela corrupção dos costumes e rivalidade
para subir às posições.
C.
Consolação (Tg 5,7 ss): Consola
os que eram alvo de perseguição, exorta-os à paciência e lhes dá várias regras
de conduta para as diversas situações da vida.
A epístola de São Tiago
está estruturada da seguinte forma:
A.
Inicio: convida seus leitores
a sofrer com alegria as tribulações que lhes sobrevierem (Tg 1, 1-4), o que
poderão fazer, se as acolherem com verdadeira sabedoria, contentando-se com a
sorte que Deus lhe der (Tg 1, 5-11) e reconhecendo a Deus como quem dá tudo o
que é bom (Tg 1,12-18).
B.
Primeira parte: versa sobre a
necessidade de dar a vida à fé com as obras de caridade (Tg 1,19 -2,26):
· Requer
a fé, mas uma fé em ação pela caridade; e começa por advertir que a audição da
palavra não basta, mas que se deve observar o que é ouvido (Tg 1,19-25), e
· Faz
admoestações acerca de certos preceitos como o de refrear a língua, exercer a
caridade com os órfãos e tratar igualmente com atenção a todos na Igreja (Tg
1,16 - 2,13).
· Depois,
prosseguindo sobre o tema da inutilidade da fé sem as obras, elucida-o com certa
comparação da fé dos demônios (Tg 2,15-19) e com os exemplos de Abraão e de Raab
(Tg 2,20-26).
C.
Segunda parte: versa acerca das
qualidades para o magistério cristão e do perigo do mal de o pretender e
assumir sem a precisa competência e o devido espírito. (Tg 3,1 – 4,12):
· Procura
dissuadir da pretensão de ensinar os que o queiram fazer sem a capacidade e
missão precisas, e argumenta com os perigos que há nisso, pela intemperança e
desenfreamento da língua (Tg 3,1-12), pela falta de ciência e de requisitos
outros para eficácia do ensino (Tg
3,,13-18), resultando da usurpação ou uso indébito de tais funções
contendas e pecados (Tg 4,1-12).
D. Terceira parte: consta de exortações
apropriadas a várias circunstâncias da vida. (Tg 4,13-5,19):
· Contem
várias admoestações especiais: adverte aos ricos que se não ufanem de sua
condição (Tg 4,13-17) nem oprimam os pobres (Tg 5, 1-11); todos em geral
determina que se abstenham do costume de jurar (Tg 5,12); instrui os enfermos
sobre o que lhes convém fazer, para o seu bem temporal e espiritual (Tg
5,13-15); e inculca a todos a pratica e o fervor da oração (Tg 5,16-18).
E.
Epílogo (Tg 5,10-20) apregoa
bem aventurado aquele que reconduz ao caminho da verdade o que dali se extraviou.
A epístola encerra importantes
ensinamentos morais, ligados a um cristianismo de combate espiritual, de
esforço e de ação, tais como:
A. Defeitos a evitar:
·
Não
atribuir a Deus os males do mundo
·
Formalismo
exterior farisaico
·
Luxo
imoderado e o excesso de atenção com os ricos
·
Intemperança
da língua
·
Espírito
de partido
·
Maledicência
e a calúnia
·
Orgulho
e jactância
B. Virtudes a praticar:
·
A
paciência das provações
·
A
confiança em Deus
·
A
humildade
·
O
bom uso das tentações
·
O
zelo pela conversão dos pecadores
Com efeito, temos que a
principal preocupação de Tiago é com a perseverança na conversão a Deus e o
progresso na vivência da moralidade evangélica. Ele vê o íntimo relacionamento
entre a fé em Deus e o amor do próximo, pois ambos são característicos da fé da
aliança. A integridade da vida edificante é mantida; não podemos escolher que
leis da aliança vamos cumprir. São Tiago não se cansa de chamar a atenção para
as raízes da desordem em nossas vidas e de nos exortar a controlá-las.
O sendo de Igreja de
Tiago domina constantemente sua obra para nos lembrar que a religião não é um
negócio particular entre Deus e nós, mas um relacionamento de aliança entre
Deus e seu povo da aliança: por isso o amor do próximo e também a perspectiva
do julgamento são temas constantes.
Não podemos deixar de
nos impressionar com o senso pastoral que Tiago tem da integridade da vida
cristã, da plenitude na qual o Evangelho deve crescer nos fiéis e da relação
ativa entre a religião e a vida. “As igrejas de Tiago não admitiam cristãos de
meio expediente!” (BERGANT, 2013, P. 322).
Referências
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus,
2002.
BERGANT, Dianne. Comentário
Bíblico:Volume 3. Dianne Bergant, Robert J. Karris (organizadores). 7 ed. São
Paulo: Loyola,2013.
CARREZ, Maurice. As Cartas de Paulo,
Tiago, Pedro e Judas. 3.ed. São Paulo: Paulus, 2008.
TUÑÍ, Josep-Oriol. Escritos Joaninos e
Cartas Católicas. Josep-Oriol Tuñí,
Xavier Alegre. 2ed. São Paulo: Ave Maria, 2007