Entendendo Patrologia e Patrística
· “Padre/Pai”: Na Bíblia o termo aparece
referindo-se a Deus e exprime temor, amor e confiança no “Ser Supremo”. Em
sentido natural é quem gerou um filho. No sentido amplo são considerados os
antepassados segundo a carne até Adão. No judaísmo são considerados os antigos
beneficiários, testemunhas das promessas. No sentido metafórico é tido como
autor.
· Instrução na fé: Era considerada
uma real paternidade espiritual, razão pela qual foi atribuído o título de
“padre/pai” aos bispos, como já se fizera anteriormente com os apóstolos. O
termo “Padre” no plural passou a designar os bispos reunidos em Concílio,
dotados de autoridade na transmissão e no ensinamento da fé.
· O conceito de
“Padre” na Igreja dos primeiros séculos: seja no sentido particular, seja em
sentido coletivo o termo refere-se àqueles que, no nível da fé ou da
disciplina, cunharam a vida da comunidade católica.
· Decreto De libris recipiendis et not recipiendis: Promulgado no
início do século VI e falsamente atribuído ao Papa Gelásio I. Apresenta a relação
dos autores (“Padres”) aceitos na Igreja Católica. Esse documento espúrio
exercerá notável influência na Idade Média, sobretudo em relação à transmissão
dos textos.
· Definição de
“Padre”:
Obedece a critérios relacionados à ortodoxia, santidade, aprovação da Igreja e
antiguidade.
· Termo
Patrologia: Originário
da palavra “Pai” num contexto apologético e indica a procura nos Padres da
Igreja de testemunhos a favor das crenças contestadas pelos Reformadores e como
resposta ao apelo à antiguidade por parte dos próprios Reformadores.
· Disciplina
Patrologia:
Tem por objeto a vida e os escritos dos padres e se move mais no nível da
pesquisa histórica e da informação biográfica e literária. Tem origem na Igreja
antiga e corresponde à necessidade tanto de mostrar a antiguidade e a
continuidade da fé cristã como de conservar a lembrança dos escritores cristãos
ilustres.
· Distinção entre
Patrologia e Patrística: No mundo protestante a Patrística tornou-se
“história dos dogmas” e, tanto no âmbito católico como no protestante, alguns
identificaram a Patrologia como a
história da literatura cristã, ou ainda com a “história da literatura
eclesiástica”, ou ainda com a “história da literatura cristã antiga”.
· Duas diferentes
abordagens para a Patrologia:
a) Ciência
que estuda historicamente a antiga literatura cristã e que não faz parte da
teologia; e
b) Embora
seja reconhecido o seu caráter de ciência histórica, é definida mediante
conceitos “teológicos”, como a disciplina que estuda os Padres da Igreja.
· Transmissão dos
textos patrísticos: A
antiguidade conheceu duas formas de livro: o rolo e o códice. O primeiro era
formado por diversas folhas e constituía um rolo na forma de cilindro. O
segundo era formado por um conjunto de quatro folhas duplas presas a um mesmo
dorso. O códice era a forma utilizada pelos cristãos em razão de algumas
condicionantes, tais como: a pobreza das primeiras comunidades, o baixo custo,
a facilidade de manuseio dos textos, a forma mais fácil para as celebrações
litúrgicas e talvez o antagonismo com relação às comunidades judaicas que
utilizavam o rolo, além de sua maior capacidade de conteúdo que permitia reunir
obras volumosas como a Escritura.
· Transcrição dos
textos: O
meio normal de comunicação dos escritos cristãos era o manuscrito particular.
Era natural que, na reprodução dos textos, se recorresse à abreviação ou à síntese. A transcrição parece estar ligada a
motivos de ordem prática, econômica ou também à variedade dos interesses
teológicos da comunidade. A maior parte dos textos se perdeu inteiramente, seja
porque o estilo e conteúdo não agradavam mais às gerações seguintes, seja por
causa de numerosos eventos fortuitos ocorridos no decurso da história.
· Modalidades de
transmissão: O
cristianismo primitivo preferiu o gênero literário epistolar. As comunidades
cristãs reuniram as cartas e as
transmitiram como expressão de comunhão e de um “patrimônio comum” a ser
compartilhado. Quanto mais famoso era o
seu autor, tanto maior o número de escritos a ele falsamente atribuídos para
angariar maior atenção, mais ampla difusão ou um crédito que de outro modo não
teriam. O mesmo fenômeno de falsificação atingiu, nos primeiros séculos, também
o gênero de homilias que constitui boa parte da produção literária dos Padres,
os quais, por não colecionarem seus sermões, acabaram fazendo o jogo dos
interpoladores e dos falsários.
· Patrimônio da
tradição patrística: Havia
um grande interesse por tudo o que cada autor havia composto.
· Vida monástica: A consciência de
que os “Padres” são autoridade no âmbito da fé e da vida espiritual está bem
presente no monaquismo, que será um fator determinante na transmissão dos
textos patrísticos. Esse caráter acentuadamente cultural é observado, sobretudo
no ocidente, onde a lectio divina é
elemento constitutivo do instituto monástico e onde se imporá,
consequentemente, a presença de bibliotecas.
· Renascimento: Com o surgimento
da imprensa e com a recuperação e valorização da Antiguidade, houve uma atenção maior às letras antigas e
aos escritos dos Padres, que passaram a ser estudados com acentuado sentido
histórico-crítico e mediante novos recursos da filologia. Por sua vez, a
Reforma, ao questionar a razão teológica e todo o edifício dogmático
tradicional, produziu uma renovação dos estudos patrísticos.
· Postulados de
Schleiermacher: Para melhor
aproveitar os estudos devemos:
a) Conhecer
a relação intercorrente entre a teologia patrística e as outras disciplinas;
b) Ter
um conhecimento profundo da teologia dos Padres capaz de se integrar com as
outras disciplinas em vista de uma síntese;
c) Conhecer
as chaves hermenêuticas para chegar a um trabalho de aprofundamento no âmbito
dessa disciplina; e
d) Mover-nos
com segurança no uso dos resultados já atingidos por outros.
· Referencial
privilegiado: os
Padres atingiram algumas metas basilares na estrutura doutrinal e eclesial do
cristianismo, a saber: a) Esclareceram
os fundamentos da fé nos quatro primeiros concílios (Nicéia 325, Constantinopla
381; Éfeso 431; Calcedônia 451); b) Buscaram
dar à fé forma e expressão num discurso humano, criando novos conceitos e a
língua “católica” que ainda falamos; c) Fixaram
o Canôn neotestamentários; e d) Fizeram
a passagem da improvisação litúrgica para as normas e modos estáveis de
celebração.
· Novidade e
originalidade cristãs: Os Padres praticavam a hierarquia das verdades,
reconhecendo o que é essencial para o cristão e remetendo-o a esse núcleo. Seus
ensinamentos adquiriram valor ecumênico e apresentaram uma teologia de pesquisa
em referência a uma síntese e não a um sistema, que, como se verifica para a
heresia, “suprime o caráter antitético e paradoxal da verdade, deixando
perder-se um dos elementos”. Suas idéias permitiram o desenvolvimento do
pluralismo religioso, considerando diferentes modalidades de aproximação ao
mistério de Deus e, também, está presente uma atitude de respeito em relação à
incompreensibilidade de Deus, jamais redutível a um sistema de lógica humana. O
sentido de mistério que os Padres possuem, e a consciência da transcendência de
Deus reforça a teologia de símbolos, mais que de conceitos. A valorização do
símbolo só podia nascer de um contato com a Escritura, cuja unidade fundamental
eles perceberam, pois tem Deus por autor – teologia bíblica.
· Reflexão
patrística e o caráter pastoral: alimentou uma espiritualidade que nasce
da fé, exprime a fé e conduz a um aprofundamento dela. Há, pois, nos Padres um
desejo ardente de não perder de vista a peculiaridade da mensagem cristã, mas
há também a necessidade de aproximá-la dos homens. Justamente este aspecto
determina o caráter pastoral de sua teologia. Não nasce como especulação
acadêmica, não possui caráter e linguagem esotéricos, mas se afirma no interior
de uma atividade de serviço pastoral e procura corresponder às exigências
concretas da comunidade. Segundo os Padres, a principal atividade do sacerdote
não é a cultural, mas o ministério do anúncio.
· Objetivos do
estudo: o
estudo do desenvolvimento dogmático, em teologia, tem a função de fornecer
modelos de pensamento que nos ajudarão a encontrar o nosso modo de pronunciar o
mesmo dogma. Trata-se, em essência, de “dialogar” com os Padres, assumindo em
sentido real a expressão “diálogo” como o esforço de um entendimento recíproco
e não de uma apresentação de perguntas para confirmar opiniões próprias já
consolidadas.
· Princípios do
Procedimento Hermenêutico:
a) Um
documento do passado que surgiu num meio cultural diferente, deve ser sempre
interpretado e não pode ser lido como se fosse produzido na linguagem do
próprio ambiente;
b) Todo
texto pode ser entendido e expresso também em outros contextos culturais; e
c) O
sujeito do recurso ao passado para a hermenêutica teológica é a comunidade, uma
vez que o estudioso, sozinho, somente pode adquirir um conhecimento articulado
dos textos patrísticos quando se serve da contribuição especializada dos outros.
A
compreensão dos textos patrísticos exigirá um esforço interpretativo em três
níveis: filológico, histórico e dogmático. Tendo sempre presente
tratar-se de fontes históricas muito antigas e de testemunho de fé cristã.
Referência:
PADOVESE, Luigi.
Introdução à Teologia Patrística. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004