domingo, 8 de março de 2015

Patrologia e Patrística


Entendendo Patrologia e Patrística

·       Padre/Pai”: Na Bíblia o termo aparece referindo-se a Deus e exprime temor, amor e confiança no “Ser Supremo”. Em sentido natural é quem gerou um filho. No sentido amplo são considerados os antepassados segundo a carne até Adão. No judaísmo são considerados os antigos beneficiários, testemunhas das promessas. No sentido metafórico é tido como autor. 

·      Instrução na fé: Era considerada uma real paternidade espiritual, razão pela qual foi atribuído o título de “padre/pai” aos bispos, como já se fizera anteriormente com os apóstolos. O termo “Padre” no plural passou a designar os bispos reunidos em Concílio, dotados de autoridade na transmissão e no ensinamento da fé.

·  O conceito de “Padre” na Igreja dos primeiros séculos: seja no sentido particular, seja em sentido coletivo o termo refere-se àqueles que, no nível da fé ou da disciplina, cunharam a vida da comunidade católica.

·    Decreto De libris recipiendis et not recipiendis: Promulgado no início do século VI e falsamente atribuído ao Papa Gelásio I. Apresenta a relação dos autores (“Padres”) aceitos na Igreja Católica. Esse documento espúrio exercerá notável influência na Idade Média, sobretudo em relação à transmissão dos textos.

·   Definição de “Padre”: Obedece a critérios relacionados à ortodoxia, santidade, aprovação da Igreja e antiguidade.

·     Termo Patrologia: Originário da palavra “Pai” num contexto apologético e indica a procura nos Padres da Igreja de testemunhos a favor das crenças contestadas pelos Reformadores e como resposta ao apelo à antiguidade por parte dos próprios Reformadores.

·    Disciplina Patrologia: Tem por objeto a vida e os escritos dos padres e se move mais no nível da pesquisa histórica e da informação biográfica e literária. Tem origem na Igreja antiga e corresponde à necessidade tanto de mostrar a antiguidade e a continuidade da fé cristã como de conservar a lembrança dos escritores cristãos ilustres.

·      Distinção entre Patrologia e Patrística: No mundo protestante a Patrística tornou-se “história dos dogmas” e, tanto no âmbito católico como no protestante, alguns identificaram a Patrologia como a  história da literatura cristã, ou ainda com a “história da literatura eclesiástica”, ou ainda com a “história da literatura cristã antiga”.

·      Duas diferentes abordagens para a Patrologia:
a)  Ciência que estuda historicamente a antiga literatura cristã e que não faz parte da teologia; e
b) Embora seja reconhecido o seu caráter de ciência histórica, é definida mediante conceitos “teológicos”, como a disciplina que estuda os Padres da Igreja.

·     Transmissão dos textos patrísticos: A antiguidade conheceu duas formas de livro: o rolo e o códice. O primeiro era formado por diversas folhas e constituía um rolo na forma de cilindro. O segundo era formado por um conjunto de quatro folhas duplas presas a um mesmo dorso. O códice era a forma utilizada pelos cristãos em razão de algumas condicionantes, tais como: a pobreza das primeiras comunidades, o baixo custo, a facilidade de manuseio dos textos, a forma mais fácil para as celebrações litúrgicas e talvez o antagonismo com relação às comunidades judaicas que utilizavam o rolo, além de sua maior capacidade de conteúdo que permitia reunir obras volumosas como a Escritura.

·   Transcrição dos textos: O meio normal de comunicação dos escritos cristãos era o manuscrito particular. Era natural que, na reprodução dos textos, se recorresse  à abreviação ou  à síntese. A transcrição parece estar ligada a motivos de ordem prática, econômica ou também à variedade dos interesses teológicos da comunidade. A maior parte dos textos se perdeu inteiramente, seja porque o estilo e conteúdo não agradavam mais às gerações seguintes, seja por causa de numerosos eventos fortuitos ocorridos no decurso da história.

·    Modalidades de transmissão: O cristianismo primitivo preferiu o gênero literário epistolar. As comunidades cristãs  reuniram as cartas e as transmitiram como expressão de comunhão e de um “patrimônio comum” a ser compartilhado.  Quanto mais famoso era o seu autor, tanto maior o número de escritos a ele falsamente atribuídos para angariar maior atenção, mais ampla difusão ou um crédito que de outro modo não teriam. O mesmo fenômeno de falsificação atingiu, nos primeiros séculos, também o gênero de homilias que constitui boa parte da produção literária dos Padres, os quais, por não colecionarem seus sermões, acabaram fazendo o jogo dos interpoladores e dos falsários.

·     Patrimônio da tradição patrística: Havia um grande interesse por tudo o que cada autor havia composto.

·     Vida monástica: A consciência de que os “Padres” são autoridade no âmbito da fé e da vida espiritual está bem presente no monaquismo, que será um fator determinante na transmissão dos textos patrísticos. Esse caráter acentuadamente cultural é observado, sobretudo no ocidente, onde a lectio divina é elemento constitutivo do instituto monástico e onde se imporá, consequentemente, a presença de bibliotecas.

·     Renascimento: Com o surgimento da imprensa e com a recuperação e valorização da Antiguidade,  houve uma atenção maior às letras antigas e aos escritos dos Padres, que passaram a ser estudados com acentuado sentido histórico-crítico e mediante novos recursos da filologia. Por sua vez, a Reforma, ao questionar a razão teológica e todo o edifício dogmático tradicional, produziu uma renovação dos estudos patrísticos.

·     Postulados de Schleiermacher:  Para melhor aproveitar os estudos devemos:
a)   Conhecer a relação intercorrente entre a teologia patrística e as outras disciplinas;
b)  Ter um conhecimento profundo da teologia dos Padres capaz de se integrar com as outras disciplinas em vista de uma síntese;
c)   Conhecer as chaves hermenêuticas para chegar a um trabalho de aprofundamento no âmbito dessa disciplina; e
d)   Mover-nos com segurança no uso dos resultados já atingidos por outros.

·   Referencial privilegiado: os Padres atingiram algumas metas basilares na estrutura doutrinal e eclesial do cristianismo, a saber: a) Esclareceram os fundamentos da fé nos quatro primeiros concílios (Nicéia 325, Constantinopla 381; Éfeso 431; Calcedônia 451); b)  Buscaram dar à fé forma e expressão num discurso humano, criando novos conceitos e a língua “católica” que ainda falamos; c)   Fixaram o Canôn neotestamentários; e d) Fizeram a passagem da improvisação litúrgica para as normas e modos estáveis de celebração.

·    Novidade e originalidade cristãs: Os Padres praticavam a hierarquia das verdades, reconhecendo o que é essencial para o cristão e remetendo-o a esse núcleo. Seus ensinamentos adquiriram valor ecumênico e apresentaram uma teologia de pesquisa em referência a uma síntese e não a um sistema, que, como se verifica para a heresia, “suprime o caráter antitético e paradoxal da verdade, deixando perder-se um dos elementos”. Suas idéias permitiram o desenvolvimento do pluralismo religioso, considerando diferentes modalidades de aproximação ao mistério de Deus e, também, está presente uma atitude de respeito em relação à incompreensibilidade de Deus, jamais redutível a um sistema de lógica humana. O sentido de mistério que os Padres possuem, e a consciência da transcendência de Deus reforça a teologia de símbolos, mais que de conceitos. A valorização do símbolo só podia nascer de um contato com a Escritura, cuja unidade fundamental eles perceberam, pois tem Deus por autor – teologia bíblica.

·     Reflexão patrística e o caráter pastoral: alimentou uma espiritualidade que nasce da fé, exprime a fé e conduz a um aprofundamento dela. Há, pois, nos Padres um desejo ardente de não perder de vista a peculiaridade da mensagem cristã, mas há também a necessidade de aproximá-la dos homens. Justamente este aspecto determina o caráter pastoral de sua teologia. Não nasce como especulação acadêmica, não possui caráter e linguagem esotéricos, mas se afirma no interior de uma atividade de serviço pastoral e procura corresponder às exigências concretas da comunidade. Segundo os Padres, a principal atividade do sacerdote não é a cultural, mas o ministério do anúncio.

·   Objetivos do estudo: o estudo do desenvolvimento dogmático, em teologia, tem a função de fornecer modelos de pensamento que nos ajudarão a encontrar o nosso modo de pronunciar o mesmo dogma. Trata-se, em essência, de “dialogar” com os Padres, assumindo em sentido real a expressão “diálogo” como o esforço de um entendimento recíproco e não de uma apresentação de perguntas para confirmar opiniões próprias já consolidadas.

·      Princípios do Procedimento Hermenêutico:
a) Um documento do passado que surgiu num meio cultural diferente, deve ser sempre interpretado e não pode ser lido como se fosse produzido na linguagem do próprio ambiente;
b)  Todo texto pode ser entendido e expresso também em outros contextos culturais; e
c)  O sujeito do recurso ao passado para a hermenêutica teológica é a comunidade, uma vez que o estudioso, sozinho, somente pode adquirir um conhecimento articulado dos textos patrísticos quando se serve da contribuição especializada dos outros.
A compreensão dos textos patrísticos exigirá um esforço interpretativo em três níveis: filológico, histórico e dogmático. Tendo sempre presente tratar-se de fontes históricas muito antigas e de testemunho de fé cristã.


Referência:
PADOVESE, Luigi. Introdução à Teologia Patrística. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004