A Economia e a Escassez
A corrente
principal de pensamento econômico ocidental define-se a si mesmo como a ciência
da escassez. Muitas ciências analisam os comportamentos individuais e coletivos
de muitos pontos de vista. A economia analisa esses comportamentos porquanto
eles envolvem o problema da escassez. Por sua vez a escassez deve ser vista
como um descompasso, um desajuste entre as necessidades e os recursos. A
escassez só aparece quando existe desequilíbrio entre demanda e a oferta.
A
natureza humana produz inesgotáveis necessidades. E o simples fato de atender a
determinados anseios não apaga os desejos, mas os desloca sobre outros objetos.
As necessidades não se esgotam e o problema de escassez permanece sem solução.
A palavra necessidade dá a impressão de que se trata de algo indispensável. A
economia não cuida apenas do indispensável, interessa-se também pelo surpéfluo.
A fronteira entre ambos é relativa. Hoje todos concordam que ter luz em casa é
indispensável; há 200 anos, ninguém tinha; portanto era dispensável. No correr
dos tempos certos bens e serviços tornam-se necessários simplesmente em função
de seu uso social. O curioso é que se
observa certa tendência da pessoa em definir como dispensável e luxuoso o consumo dos outros.
A
escassez lastreia uma propriedade econômica fundamental que é o valor. A falta
que se sente ou que se irá sentir leva o homem a dar valor não só aos bens e
serviços, mas também às pessoas, idéias, obras artísticas, emoções e a tudo e a
todos que preza. A experiência humana universal confirma que o homem “valoriza
apenas aquilo a que aspira em maior quantidade ou qualidade do que o
disponível” (VERVIER, 1991, p 262). O
valor e seu conceito anexo de “riqueza” podem servir de fio da meada para
contar a história do pensamento econômico.
Para
os mercantilistas primitivos, a riqueza era apenas o acúmulo de dinheiro. Os
fisiocratas franceses refinaram o pensamento econômico identificando a
verdadeira riqueza de uma nação com sua capacidade produtiva. Os marginalistas[1] escolhem
um caminho mais abstrato: a riqueza aumenta com o grau de satisfação individual
e coletiva. Para os economistas clássicos, o valor das coisas é de certa forma
proporcional à quantidade de trabalho humano envolvido na sua produção. A
definição aponta certamente um elemento gerador de valor essencial, mas ela
peca por omissão, como ilustrado no exemplo abaixo:
A
construção de uma ponte de concreto no meio da selva amazônica envolverá uma
enorme quantidade de trabalho sem produzir nenhum valor. Se o produto não tem
uma utilidade individual e social, ele não valerá nada mesmo que sua produção
seja trabalhosa. (VERVIER, 1991, p 262).
Assim,
para se estabelecer o valor em regime de escassez no mercado, é importante
levar em consideração os custos e as dificuldades para produzir algo e, também,
a utilidade do produto. A definição do valor, certamente, irá atingir um maior
grau de generalidade, eis que não abrange apenas os bens tradicionalmente
econômicos, mas, sim, tudo o que o ser humano preza. Por tudo isso o valor é individual, uma vez que as necessidades são
heterogêneas e transitórias. O preço é para o valor uma medida convencional e
relativa. A verdadeira medida do valor encontra-se no preço de determinado bem
relativamente aos preços dos demais produtos e recursos disponíveis. Nesse
sentido o preço serve de denominador financeiro comum de uma infinidade de
coisas fisicamente heterogêneas.
Não
se pode reduzir o campo de aplicação do princípio da escassez como fonte do
valor exclusivamente ao domínio do intercâmbio de bens materiais. “A superação
da escassez se constitui numa dimensão fundamental e nobre da felicidade
humana, e, portanto, a definição formal da ciência econômica vai muito além de
seu campo de aplicação tradicional” (VERVIER, 1991, p 263).
[1] Os marginalistas são considerados
economistas da escola neoclássica que sucedeu a escola clássica. Surgiram ao final do século XIX. O pensamento marginalista concentra sua análise na
oferta e na demanda, na racionalidade de um indivíduo e sua capacidade de
maximizar a utilidade ou o lucro. Emprestou grandes avanços no uso de modelos
matemáticos na economia.
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