Parte II
No
presente trabalho vamos explorar um pouco o conceito da fé como conhecimento e
saber, bem como a importância das idéias apologéticas, em especial de Blaise
Pascal, na fundamentação de toda a esperança do homem no mistério do amor de
Deus que se revela na morte do crucificado.
A
revelação não é apenas o eixo em torno do qual gira a teologia.
Embora
esteja no centro da reflexão teológica; é principalmente o seu fundamento, o
seu princípio constitutivo. A partir desse princípio, a teologia desempenha uma
tarefa de ser uma compreensão crítica da revelação e sua credibilidade,
passando de uma teologia dogmática para uma teologia da revelação.
Compete
ainda à teologia fundamental, além de identificar as formas, conteúdos e
metodologias da teologia, mostrar que existe uma forma de conhecimento que se
exprime pela fé.
A
teologia descobriu a centralidade da revelação e deverá tomar impulso a partir
desse evento para explicitar a relação que a liga a ele.
A partir dessa
ótica, impende-nos explorar um pouco o conceito da fé como conhecimento e
saber. A fé não é um sacrifício da inteligência, mas uma forma de conhecimento
peculiar. Nesse contexto, o crer engloba duas dimensões: gnosiológica e
comportamental.
No
Antigo Testamento, crer no Senhor equivalia a conhecer o Senhor e entregar-se.
Confiar e obedecer àquele que se conhece, mesmo contra toda evidência. É o caso
de Abraão que acredita que Sara conceberá apesar da idade avançada de ambos. No
Novo Testamento não é diferente. Crer é conhecer Jesus e tornar-se seu
seguidor, conformar a vida ao Evangelho, que leva à salvação.
A fé como conhecer
e saber implica em dois temas: a relação com a verdade e a relação com a
liberdade. No mundo cristão, a verdade é a revelação de Deus em um evento
histórico, que mostra que Ele dirige o mundo e leva os homens em uma direção
escatológica de um encontro definitivo. Inserir a verdade no tempo-história
implica relacioná-la ao movimento passado-presente-futuro. Esse movimento
comporta, também, uma dialética de manifestação-ocultação, até o momento
escatológico.
Essa revelação tem
como primeira expressão, no passado, o ato da criação, que atesta a
grandiosidade e o amor de Deus e confirma a possibilidade de conhecimento.
Estende-se entre a promessa e a realização. A verdade do presente, para os
crentes, é o evento da Encarnação, que imprime a toda história a síntese da
revelação possível de Deus. Essa verdade está ligada também ao futuro, na
medida em que implica a total realização do Reino anunciado por Cristo e, com isso,
o pleno conhecimento de Deus.
A
liberdade intervém plenamente no ato de crer e se exprime como a forma de
decisão pessoal de quem se relacionou com a verdade da revelação. Quando se
estabelece a conexão entre a verdade revelada e a liberdade do crente, emerge
uma dimensão prática e ética de nosso viver, que leva à descoberta de uma
dependência pessoal como a forma da própria realização.
Como
a revelação se dá na dialética de desvelamento e escondimento, exige que a
escolha, mediante a qual ela é aceita e à qual a pessoa se entrega seja fruto
de uma fé. É um conhecer que acarreta a escolha de uma obediência pessoal e
confia o sentido da própria existência.
Ao
mesmo tempo em que evidencia a característica da teologia fundamental de tentar
responder ao anseio que todo homem tem em saber qual é o sentido da existência,
o autor salienta que a resposta é que o sentido da vida é o Evangelho de Jesus
Cristo, que foi crido como palavra de salvação. Mas como levar essa mensagem a
todos?
Para
tornar o Evangelho crível e aceitável ao homem contemporâneo, deve-se
apresentar a vida de Jesus, que exprime seu amor pleno e total, que livremente
o levou a se encarnar e entregar sua vida na cruz. Esse amor é sinal do amor de
Deus e a forma que temos de conhecê-lo. Não é possível conhecer Deus, senão
pelo caminho que ele mesmo construiu para ser conhecido. Uma vez percebido pelo
homem, tal amor não pode ser colocado de lado, pois isso o levaria à
insegurança e angústia profunda. “Na medida em que a reflexão teológico-fundamental
estiver em condições de se expressar em uma nova linguagem, capaz de comunicar
e de chamar a atenção da pessoa para o verdadeiro sentido da existência, ela
terá alcançado o objetivo de sua razão de ser como reflexão sobre a fé que é
capaz de interrogar-se e, ao mesmo tempo, incitar à reflexão” (p. 105).
Nessa
perspectiva, há alguns exemplos de apologias capazes de transmitir essa
mensagem. No particular, merecem destaque as idéias concebidas por Blaise
Pascal, que foi capaz de compreender o mistério de Deus e, em seu bojo, o
mistério do homem, a saber:
“É a nossa religião que ensina aos homens estas duas verdades: que
existe um Deus, para o qual os homens são aptos, e que existe na natureza uma
corrupção que os torna indignos de si mesmos. Para os homens é igualmente
importante conhecer um e outro destes dois pontos; e é igualmente prejudicial
aos homens tanto conhecer a Deus sem conhecer a própria miséria como conhecer a
própria miséria sem conhecer o redentor que poderá curá-los” (p. 106).
Essa
dialética miséria do homem/misericórdia de Deus aparece de várias formas em sua
obra. Entretanto, ele afirma que, não obstante a sua miséria, o homem é grande
e aquilo que o faz assim é sua capacidade de pensar. “O homem ultrapassa
infinitamente o homem”. Pascal não era teólogo, era matemático, mas numa época
marcada pela explosão do racionalismo, emergiu como ponto de contraste. Sua
autocompreensão está ligada à descoberta de um Deus pessoal e o amor que ele
experimenta nessa descoberta marcará o resto de sua vida, numa vivência do
Evangelho de forma radical e simples. Via a relação com o cristianismo não como
um conjunto de doutrinas, mas principalmente como um encontro com uma Pessoa.
Para
ele, o desejo mais profundo que o homem quer realizar é a busca da felicidade.
Tudo que se faz não passa de espasmódica busca de felicidade. No entanto, sem a
fé jamais alguém conseguiu chegar ao ponto para o qual todos tendem. Jesus
Cristo é a verdadeira solução do enigma da condição humana. Nele todas as
contradições são resolvidas e aquilo que era infelicidade, em Cristo é assumido
para ser definitivamente superado.
Deus,
na sua visão, é o Deus escondido que passa pela cruz e pela morte para exprimir
seu amor. O Deus escondido é aquele que está mais perto do homem e inquieta o
coração (cor inquietum), colocando a
condição de dever procurá-lo cada vez mais e levando a reconhecer o amor como o
critério apto a explicar o grande mistério. Ele não tenta indicar o caminho a
seguir, mas sim convencer da necessidade da procura.
Desta
forma, depreende-se que a busca do sentido da vida tornou-se dramática nos dias
atuais. Mas nem por isso é capaz de, por si só, justificar as contradições que
se observam na vida de cada indivíduo que, embora consciente de seu próprio
valor, parece querer continuar na estrada da mediocridade, por se sentir
incapaz de realizar uma escolha radical de vida. O homem é enganado por novos
modelos de amor, que brotam apenas de um profundo egoísmo e não satisfaz.
Diante
do exposto, podemos dizer que considerar a fé cristã como um conhecer e um
saber consiste em pensar a revelação como fundamento do próprio ato com o qual
se crê. Consiste também em aderir à verdade revelada com a própria existência,
colocando neste ato a inteligência (razão) e a vontade (liberdade). Além disso,
a teologia fundamental possui a resposta ao grande anseio da humanidade, que é
encontrar o sentido da vida e a felicidade. Na medida em que estiver em
condições de expressar uma nova linguagem, capaz de chamar a atenção para essa
verdade e comunicá-la, terá alcançado seu objetivo.
REFERÊNCIA:
FISICHELLA, RINO. Introdução à Teologia Fundamental, 2. ed. São Paulo: Loyola, 2006.
Até Breve com a parte Final. Boa leitura.