Trata o presente
trabalho de apresentar uma síntese do legado de Santo Inácio de Antioquia, “o
teóforo” (aquele que conduz a Deus como ele mesmo gostava de ser chamado) -- bispo
do coração ardente (Inácio – Ignatius – quer dizer precisamente “fogo”) --, que
ficou na memória dos cristãos de todos os tempos por causa das inusitadas
expressões de amor dirigidas a Cristo e à Igreja, as quais se leem nas cartas
escritas durante a viagem que devia levá-lo a Roma, para ser martirizado –
vítima ilustre da perseguição de Trajano.
Santo Inácio foi
o terceiro Bispo de Antioquia, entre os anos 70 e 107, data do seu martírio. A cidade
de Antioquia era uma metrópole síria, terceira em ordem de grandeza no vasto
Império Romano, depois de Roma e de Alexandria. Hoje está localizada na
Turquia. Ali surgiu uma comunidade cristã florescente e o primeiro Bispo foi o
apóstolo Pedro e seu sucessor foi Santo Inácio.
Um historiador
do IV século, Eusébio de Cesareia, registrou que “Inácio foi mandado da Síria a
Roma para ser lançado como alimento às feras, por causa do testemunho dado por
ele de Cristo. Realizando sua viagem pela Ásia, sob a custódia rígida de uma
guarda numerosa, nas cidades onde parava ia consolidando as igrejas com
pregações e admoestações” (SGARBOSSA, 2005 p.587).
De Esmirna, onde
era bispo seu jovem amigo Policarpo, escreveu às Igrejas de Éfeso, Magnésia e
Tralli, confiando as cartas aos respectivos bispos – Onésimo, Dama e Políbio
--, que haviam ocorrido a fim de encontrá-lo para uma última saudação. Chegado
a Trôade, Inácio escreveu outras quatro cartas, entre as quais uma a Policarpo,
para confiar-lhe seus fiéis de Antioquia, a fim de que a grei não ficasse muito
tempo sem pastor: “Onde está o bispo, aí esteja a comunidade, assim como onde
está Cristo Jesus, ai está a Igreja Católica”. Esta última expressão destinada
a passar para a história parece ter sido cunhada por ele, juntamente com a
palavra “cristianismo”. Nesses textos, pode-se sentir o vigor da fé de toda uma
geração que ainda tinha conhecido os
Apóstolos.
Esta coleção de
sete cartas atribuídas a Santo Inácio insere-se perfeitamente, na primeira
metade do século II. Inclusive, São Policarpo já mencionava, em sua epístola, trechos
das cartas de Santo Inácio, dizendo: “Seu conteúdo é de fé, de paciência e
ainda de grande edificação a respeito de Nosso Senhor”.
Além disso,
observa-se que os conteúdos dessas cartas não são considerados tratados
teológicos, mas “são testemunhos de um homem que vai morrer e só se interessa
pelo que lhe parece essencial” (LIÉBAERT, 2000 p. 25). Nelas percebem-se o
estado de alma de um mártir, as convicções de um crente e algumas das grandes
preocupações de um pastor.
Outra
idéia-força de Santo Inácio é a novidade do “cristianismo”, sua originalidade e
independência com relação ao judaísmo. Eram veementes os protestos de Santo
Inácio contra os cristãos judaizantes, que ele acusava de suprimir a realidade
da Encarnação, morte e ressurreição de Cristo e, mais amplamente, de colocar o
cristianismo na dependência do judaísmo.
Com Inácio
“assistimos a afirmação de uma eclesiologia transcendental” (PADOVESE, 2004 P.
97) uma Igreja como comunhão de amor, na compreensão básica de que a Igreja
daqui da terra, em sua vida, em suas relações internas e em suas operações, não
é outra coisa que o reflexo e a reproposição terrestre de seu Arquétipo
celeste, o Deus uno e trino em sua vida íntima e em suas misteriosas
inter-relações.
Em sua caminhada
rumo ao martírio, depois da travessia de Durazo a Bríndisi, Inácio prosseguiu
pela via Ápia até Roma, onde terminou seus dias no anfiteatro, devorado pelas
feras, apesar de a comunidade cristã ter-se empenhado em poupar-lhe a pena
capital. Mas ele desejava ardentemente o martírio: “Deixai-me ser alimento das
feras, pelas quais me será dado a desfrutar Deus. Eu sou o trigo de Deus: é
preciso que ele seja triturado pelos dentes das feras a fim de ser considerado
puro pão de Cristo”. Para não ser incômodo a ninguém, almejava encontrar
sepultura no ventre de alguma fera esfaimada. É provável que os fiéis tenham
conseguido subtrair os restos de seu corpo martirizado até o extremo ultraje,
pois desde a Antiguidade os cristãos de Antioquia veneram seu sepulcro, situado
às portas da cidade, e celebram sua memória em 17 de outubro.
Nenhum padre da
Igreja expressou com a intensidade de Santo Inácio o anseio pela união com
Cristo e pela vida n’Ele, entendendo que a unidade é antes de tudo uma
prerrogativa de Deus que, existindo em três Pessoas, é Uno em absoluta unidade.
Ele repete, muitas vezes, que Deus é unidade e que só em Deus ela se encontra
no estado puro e originário.
Com efeito,
Santo Inácio pode ser visto como verdadeiramente “doutor da unidade”: unidade
de Deus e unidade de Cristo, unidade da Igreja, unidade dos fiéis na fé e na
caridade, das quais nada há mais de excelente (BENTO XVI, 2012 p.19).
Referências
ALTANER, B; STWIBER, A. Patrologia. 3
ed. São Paulo: Paulus, 2004.
BENTO XVI,Papa. Os Padres da Igreja: de
Clemente Romano a Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 2012.
LIÉBAERT, JACQUES. Os Padres da Igreja:
Séculos I-IV. 3ed. São Paulo: Loyola, 2000.
PADOVESE, LUIGI. A Introdução à Teologia
Patrística. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004.
SGARBOSSA, MARIO. Os Santos e os Beatos:
da Igreja do Ocidente e do Oriente. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2005
Boa Leitura!
muito bom o trabalho, que resume a vida e a obra de santo Inacio.
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