sexta-feira, 17 de abril de 2015

Santo Inácio de Antioquia





Trata o presente trabalho de apresentar uma síntese do legado de Santo Inácio de Antioquia, “o teóforo” (aquele que conduz a Deus como ele mesmo gostava de ser chamado) -- bispo do coração ardente (Inácio – Ignatius – quer dizer precisamente “fogo”) --, que ficou na memória dos cristãos de todos os tempos por causa das inusitadas expressões de amor dirigidas a Cristo e à Igreja, as quais se leem nas cartas escritas durante a viagem que devia levá-lo a Roma, para ser martirizado – vítima ilustre da perseguição de Trajano.

Santo Inácio foi o terceiro Bispo de Antioquia, entre os anos 70 e 107, data do seu martírio. A cidade de Antioquia era uma metrópole síria, terceira em ordem de grandeza no vasto Império Romano, depois de Roma e de Alexandria. Hoje está localizada na Turquia. Ali surgiu uma comunidade cristã florescente e o primeiro Bispo foi o apóstolo Pedro e seu sucessor foi Santo Inácio.

Um historiador do IV século, Eusébio de Cesareia, registrou que “Inácio foi mandado da Síria a Roma para ser lançado como alimento às feras, por causa do testemunho dado por ele de Cristo. Realizando sua viagem pela Ásia, sob a custódia rígida de uma guarda numerosa, nas cidades onde parava ia consolidando as igrejas com pregações e admoestações” (SGARBOSSA, 2005 p.587).

De Esmirna, onde era bispo seu jovem amigo Policarpo, escreveu às Igrejas de Éfeso, Magnésia e Tralli, confiando as cartas aos respectivos bispos – Onésimo, Dama e Políbio --, que haviam ocorrido a fim de encontrá-lo para uma última saudação. Chegado a Trôade, Inácio escreveu outras quatro cartas, entre as quais uma a Policarpo, para confiar-lhe seus fiéis de Antioquia, a fim de que a grei não ficasse muito tempo sem pastor: “Onde está o bispo, aí esteja a comunidade, assim como onde está Cristo Jesus, ai está a Igreja Católica”. Esta última expressão destinada a passar para a história parece ter sido cunhada por ele, juntamente com a palavra “cristianismo”. Nesses textos, pode-se sentir o vigor da fé de toda uma  geração que ainda tinha conhecido os Apóstolos.

Esta coleção de sete cartas atribuídas a Santo Inácio insere-se perfeitamente, na primeira metade do século II. Inclusive, São Policarpo já mencionava, em sua epístola, trechos das cartas de Santo Inácio, dizendo: “Seu conteúdo é de fé, de paciência e ainda de grande edificação a respeito de Nosso Senhor”.

Além disso, observa-se que os conteúdos dessas cartas não são considerados tratados teológicos, mas “são testemunhos de um homem que vai morrer e só se interessa pelo que lhe parece essencial” (LIÉBAERT, 2000 p. 25). Nelas percebem-se o estado de alma de um mártir, as convicções de um crente e algumas das grandes preocupações de um pastor.

Outra idéia-força de Santo Inácio é a novidade do “cristianismo”, sua originalidade e independência com relação ao judaísmo. Eram veementes os protestos de Santo Inácio contra os cristãos judaizantes, que ele acusava de suprimir a realidade da Encarnação, morte e ressurreição de Cristo e, mais amplamente, de colocar o cristianismo na dependência do judaísmo.

Com Inácio “assistimos a afirmação de uma eclesiologia transcendental” (PADOVESE, 2004 P. 97) uma Igreja como comunhão de amor, na compreensão básica de que a Igreja daqui da terra, em sua vida, em suas relações internas e em suas operações, não é outra coisa que o reflexo e a reproposição terrestre de seu Arquétipo celeste, o Deus uno e trino em sua vida íntima e em suas misteriosas inter-relações.

Em sua caminhada rumo ao martírio, depois da travessia de Durazo a Bríndisi, Inácio prosseguiu pela via Ápia até Roma, onde terminou seus dias no anfiteatro, devorado pelas feras, apesar de a comunidade cristã ter-se empenhado em poupar-lhe a pena capital. Mas ele desejava ardentemente o martírio: “Deixai-me ser alimento das feras, pelas quais me será dado a desfrutar Deus. Eu sou o trigo de Deus: é preciso que ele seja triturado pelos dentes das feras a fim de ser considerado puro pão de Cristo”. Para não ser incômodo a ninguém, almejava encontrar sepultura no ventre de alguma fera esfaimada. É provável que os fiéis tenham conseguido subtrair os restos de seu corpo martirizado até o extremo ultraje, pois desde a Antiguidade os cristãos de Antioquia veneram seu sepulcro, situado às portas da cidade, e celebram sua memória em 17 de outubro.

Nenhum padre da Igreja expressou com a intensidade de Santo Inácio o anseio pela união com Cristo e pela vida n’Ele, entendendo que a unidade é antes de tudo uma prerrogativa de Deus que, existindo em três Pessoas, é Uno em absoluta unidade. Ele repete, muitas vezes, que Deus é unidade e que só em Deus ela se encontra no estado puro e originário.

Com efeito, Santo Inácio pode ser visto como verdadeiramente “doutor da unidade”: unidade de Deus e unidade de Cristo, unidade da Igreja, unidade dos fiéis na fé e na caridade, das quais nada há mais de excelente (BENTO XVI, 2012 p.19).

Referências
ALTANER, B; STWIBER, A. Patrologia. 3 ed. São Paulo: Paulus, 2004.
BENTO XVI,Papa. Os Padres da Igreja: de Clemente Romano a Santo Agostinho. São Paulo: Paulus, 2012.
LIÉBAERT, JACQUES. Os Padres da Igreja: Séculos I-IV. 3ed. São Paulo: Loyola, 2000.
PADOVESE, LUIGI. A Introdução à Teologia Patrística. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2004.

SGARBOSSA, MARIO. Os Santos e os Beatos: da Igreja do Ocidente e do Oriente. 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2005

Boa Leitura!

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