A PRIMA FILOSOFIA
Hoje vamos divagar sobre o
caráter duplo da existência do filósofo na qual partilha com outros seres
humanos as alegrias, as tristezas e os trabalhos da vida comum, ao mesmo tempo
em que se verifica nele, uma vida cujas peripécias são conhecidas somente por
ele e cuja continuidade profunda é necessariamente traída por seus escritos.
Desta maneira, podemos sentenciar: “Isso acontece com todos aqueles que
filosofam”.
Se o sentimento de solidão é
uma presença constante no espírito do filósofo, maior é este sentimento no
interior do filósofo cristão, sobretudo nestes tempos de profunda
descristianização quando é terrível e esgotante não “fazer como todo mundo” faz.
Pois não é agradável a ninguém sentir-se diferente, sobretudo num assunto em
que o próprio sentido da vida humana é posto à prova.
Fica então o alerta de que se
alguém confessa sua intenção de filosofar de um ponto de vista cristão será
excluído da comunidade dos filósofos e simplesmente não será ouvido. Pois, para
a maioria, o chamado “bom senso”, o certo é filosofar como filósofos e, simplesmente
abandonar a alcunha de cristão.
Ninguém nasce cristão, mas
aquele que nasce numa família cristã não demora em também se tornar cristão. A
religião inteira lhe é dada de uma só vez no sacramento do Batismo e se a
criança ainda não a conhece senão imperfeitamente ela pode vive-la
perfeitamente. “A criança pode não ser um doutor da Igreja, mas pode ser um
santo”.
A dificuldade do cristão de se
tornar “um filósofo como os outros” é decorrente de sua educação na teologia do
catecismo, explicitada nos “artigos da fé”, presentes no Símbolo dos Apóstolos, e que, na ordem do conhecimento para a
salvação do cristão, precedem a filosofia, que nada poderá acrescentar ou
retirar. Desta forma, seria até
compreensível que a atitude de excluir educadamente os filósofos cristãos de
seu ambiente fosse somente uma iniciativa dos chamados filósofos sem vínculos
com a religião. Contudo, essa atitude é menos compreensível quando vem dos
próprios cristãos, como se pode observar em teses e pensamentos por eles
elaborados.
Desta forma, muito antes de
abordar o estudo da filosofia propriamente dita, o cristão é impregnado de
noções metafísicas definidas. O jovem cristão não sabe que é um aprendiz de
teólogo, lhe sendo acrescidos a formação religiosa, a educação da
espiritualidade e a vida sacramental, que fazem de noções abstratas em si
mesmas realidades vivas, pessoalmente conhecidas e intimamente amadas. Assim,
pode-se compreender a dificuldade que a filosofia encontra em razão de se
deparar com o lugar já tomado e solidamente ocupado quando se pretende
introduzi-la em tal espírito. “O jovem não sabe praticamente nada, mas crê em
muitas coisas”.
Muitas vezes entendemos o
sentido dos ditos filosóficos, mas não conseguimos perceber qual a mensagem que
os filósofos pretendem transmitir. Muitas vezes sofremos de uma doença
metafísica incurável que é o “coisismo” [1],
o que nos leva a perseguir com tenacidade a filosofia.
[1] “Coisismo” = ser incapaz de
compreender que se pode falar de um objeto qualquer que não seja coisa ou que
não seja concebido em relação a alguma coisa. Ele não nega que se pode falar de
outro modo que não seja falar de alguma coisa; porém, para ele isso é
precisamente não falar de nada.
Boa Leitura! Até a próxima
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